quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Portugal tem um novo sinal de trânsito: “Atenção, linces”


RICARDO GARCIA 16/12/2014 - 07:38
Para reduzir o risco de atropelamentos, a libertação dos linces em Mértola está a ser rodeada de cuidados adicionais.


Sinal que alerta para a presença de lincesDR

O pior que pode acontecer a Katmandu e >i>Jacarandá, o casal de linces ibéricos que será libertado esta terça-feira no concelho de Mértola, numa iniciativa inédita no país, é um dia virem a ser atropelados. Este risco real é uma das maiores apreensões que envolvem o programa de reintrodução desta espécie em Portugal, que entra agora numa fase decisiva, com a libertação de dez animais nos próximos oito meses no vale do Guadiana.

"A nossa principal preocupação de facto é a questão dos atropelamentos, que é a principal causa de mortalidade em Espanha", afirma o secretário de Estado do Ordenamento do Território e Conservação da Natureza, Miguel de Castro Neto.

Outrora abundante, a espécie Lynx pardinus tinha quase desaparecido da Península Ibérica – o único lugar onde existe – ao longo do século XX, até se transformar no felino mais ameaçado de extinção em todo o mundo. Nos últimos dez anos, a sua população voltou a crescer em Espanha, através de um plano de reintrodução conjunto com Portugal.

Mas os animais regressaram a um território modificado, com mais estradas e maior circulação de automóveis. Em Espanha, o número de linces atropelados subiu de nove em 2012 para 14 em 2013, e este ano a conta já vai em 20. O último caso foi o de Ketamina, uma fêmea nascida em Portugal, no Centro Nacional de Reprodução do Lince Ibérico, em Silves, e libertada em Julho passado na Extremadura espanhola. Teve apenas três meses de vida selvagem. Em Outubro, morreu sob as rodas de um automóvel, perto de Badajoz.

Para reduzir o risco de atropelamentos, a libertação dos linces em Mértola está a ser rodeada de cuidados adicionais. Um deles é a instalação de placas específicas de sinalização nas estradas da região. Na verdade, trata-se de um novo sinal de trânsito, para alertar para a presença de animais. Ao invés de um gamo ou de uma vaca, como os que figuram nos sinais já existentes, neste caso o contorno é o da face de um lince ibérico. O novo sinal, segundo o Ministério do Ambiente, já foi homologado, embora a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária tenha informado o PÚBLICO de que o processo de autorização não está ainda completamente concluído.

Os sinais foram  instalados nos pontos considerados de maior perigo, identificados a partir de registos de atropelamentos de outros animais. A preparação também inclui a limpeza das bermas, para melhorar a visibilidade dos condutores e afastar os animais da estrada.

Só dentro de algumas semanas é que os linces Katmandu e Jacarandá de facto correrão riscos. Serão soltos primeiro numa área cercada com dois hectares, onde permanecerão em adaptação até serem finalmente libertados na natureza, possivelmente dentro de um mês.

Jacarandá, a fêmea, nasceu em 2012 no centro de reprodução de Silves, uma de três crias do casal Flora e Foco. Já Katmandu, o macho, nasceu em 2013 em Zarza de Granadilla, onde fica um dos quatro centros espanhóis de reprodução de lince ibérico. Os nomes dados aos animais no programa luso-espanhol seguem uma ordem alfabética regular, com a mesma inicial para todas as crias nascidas num mesmo ano.

Por pouco os dois linces não ficam em Portugal. Há uma programação para a libertação das crias dos cinco centros de reprodução. Em Silves, já nasceram 58 e outros 28 por lá passaram, provenientes de Espanha. De todos estes, 38 foram libertados do outro lado da fronteira e 22 morreram. "Este ano havia um conjunto de animais reservado para serem soltos em Portugal. Se não fossem reintroduzidos cá, seriam em Espanha", afirma o secretário de Estado da Conservação da Natureza. "Vínhamos há meses a acompanhar a situação no terreno para ver se isto seria possível ou não", completa.

Linces no zoo
A ideia inicial era realizar a operação no princípio do Verão. Mas as populações de coelho bravo, o principal alimento do lince, não tinham recuperado da razia que a doença hemorrágica viral lhes causara no ano passado.

Em Mértola, o secretário de Estado assegura que a situação agora é favorável. "Em Agosto/Setembro, dados no terreno indicavam que na zona onde vamos reintroduzir o lince tínhamos valores superiores a 3,5 coelhos por hectare, sendo que o mínimo que está definido para podermos pensar na reintrodução são dois coelhos por hectare", explica. A temporada de caça pode ter reduzido a concentração de coelhos, mas apenas ligeiramente, segundo Miguel de Castro Neto.

Depois de Katmandu e Jacarandá, quatro outros casais serão libertados no vale do Guadiana, um a cada dois meses. Numa segunda fase, está prevista a libertação de mais linces na região de Moura-Barrancos. Só numa terceira fase, se as condições forem favoráveis, é que a mesma operação será realizada na serra da Malcata, região a que ficou associado o lince na cultura popular, devido a uma campanha pioneira pela sua preservação há quase 40 anos.

Sem comentários:

Enviar um comentário