domingo, 18 de janeiro de 2015

Um boi inteiro no prato

Crónica 
Ricardo Garcia 18/01/2015 - 11:14 



Aos 17 anos, o metabolismo humano faz milagres no campo da digestão. Como um buraco negro, o organismo adolescente absorve quantidades opíparas de comida, ingeridas sofregamente e com reduzido uso da mastigação. O tempo e o espaço colapsam, encurtando ao mínimo o intervalo até se ouvir novamente a tradicional senha de presença: "Tenho fome". Acto contínuo, dilapida-se o frigorífico.

 Se toda esta voracidade alimentar fosse suprida com carne, o planeta estaria ainda em piores lençóis do que já está. Por isso, para a consciência ecológica da família foi um certo alívio quando meu filho perguntou:

– Será que eu já comi um boi inteiro?
– Na semana passada? – brinquei.
– Não, desde que eu nasci.

Fazendo jus à sua condição de pós-púbere ocidental, o rapaz aprecia um bom bife. É uma preferência cultural e gutural, que nos agarra pelo hábito e pelo palato, muito antes que o cérebro se manifeste. Comer carne é algo que está aí para ficar, a despeito dos malefícios que se propalam quanto a esta opção gastronómica.

Números para a catástrofe, há para todos os gostos. Para não dispersar, tomemos os de um estudo recente que contabiliza, entre muitas variáveis, as toneladas de carne produzidas mundialmente num ano: 59 milhões em bifes, 11 milhões em borrego, cabrito e similares, 91 milhões em febras, costeletas e entrecostos, e 124 milhões em frangos e outros alados. A tudo isto somam-se 586 milhões de toneladas de leite.

De todo este universo, o gado vacum é de longe o principal mau da fita. Quase 80% dos 4,7 mil milhões de toneladas de pasto e rações que alimentam a pecuária são consumidos pelos animais ruminantes. Para abrir espaço para a agricultura e saciar o apetite dos bichos florestas são abatidas, a biodiversidade fica mais pobre e lá se vai o CO2 que antes seria absorvido pelas árvores.

A isto acrescem os corolários digestivos dos animais, sobretudo na forma gasosa. Cerca de 77% do metano assim libertado pela zoologia de criação cabem às vacas. Vai tudo direitinho para baixo das cobertas na atmosfera, aquecendo ainda mais o planeta.

O potencial maléfico da expansão do consumo de carne é tal que a própria ONU já recomendou, num relatório de 2010, que a humanidade se afastasse dos produtos de origem animal. Num mundo utópico, todos seguirão este conselho e os resistentes defender-se-ão dizendo que o vegetarianismo é o aipo do povo.

Enquanto este momento libertador não chega, o melhor é irmos fazendo as contas aos bichos que já comemos. Segundo cálculos do mundo pecuário, do peso total de um boi, 39% vão à vida quando o animal é decepado, sangrado e esventrado. O que resta ainda perde mais peso, à medida que a carcaça seca e os ossos e a gordura são retirados. Sobram 43% da massa inicial. Na prática, de uma vaca com 400 quilos sairão cerca de 170 quilos de carne para o talho.

Para os muito carnívoros que comem o equivalente a um bife de 125 gramas por dia, uma vaca vai para o brejo a cada quatro anos, mais ou menos. Com um bife por semana, um bicho inteiro dá para 26 anos.

O consumo lá em casa está mais perto do segundo caso – por deliberada opção tomada há anos, para reduzir a insustentabilidade da família. Feitas umas contas rápidas, meu filho terá consumido cerca de 70 quilos de carne até agora, menos da metade de um exemplar bovino.

– E quando atingires um boi, o que vais fazer? Parar? – perguntei-lhe.

E ele, no pleno gozo da adolescência:

–  Não, a meta é dois.

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