sábado, 28 de março de 2015

Estímulo aos mercados de proximidade, circuitos curtos de comercialização e rentabilidade da atividade produtiva

PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS
Grupo Parlamentar
Projeto de Resolução n.º /XII/4.ª

Como o PCP sempre tem afirmado o principal problema da atividade agrícola é de rentabilidade, associado, não só aos custos dos fatores de produção, mas também aos preços pagos ao produtor. O setor agrícola atravessa um período que, pelas mais diversas razões, é de acentuação da baixa de preços. Na última campanha foram conhecidos problemas na batata, no leite, nalgumas frutas, nomeadamente mirtilos, nos hortícolas. Muitos setores afirmam que estão a vender abaixo do preço de viabilidade das explorações. A atividade agrícola é uma atividade singular, de cujos mecanismos de controlo de rentabilidade estão os seus produtores afastados. Se, por um lado, não controlam o preço dos fatores de produção e pagam por eles aquilo que as gasolineiras, as multinacionais das sementes e pesticidas ou a indústria agroquímica pedem, por outro, vendem o resultado do seu trabalho pelo preço que o intermediário ou a comercialização lhe quiser oferecer.

Não desligado deste problema, mas pelo contrário intimamente ligado a ele, está o peso da grande distribuição na cadeia de valor. Segundo do Gabinete de Planeamento e Políticas do Ministério da Agricultura e do Mar a grande distribuição detém hoje em Portugal cerca de 70% do mercado e fica com mais de 75% do valor produzido ao longo da cadeia agroalimentar, enquanto os agricultores arrecadam apenas 10% desse valor que é produzido pelo seu trabalho. Se as cadeias de distribuição esmagam os preços pagos ao produtor e com eles o próprio produtor, nomeadamente os pequenos e médios, por outro lado e pelo facto de dominarem o mercado, é muito difícil escoar produção que não seja através delas. É, pois, evidente que sem garantia de escoamento, a pequena e média agricultura só acumula dificuldades.

Também nos produtos transformados, as dificuldades se têm acumulado e o conjunto de regras restritivas dificulta a vida aos produtores. As preocupações higiossanitárias são fundamentais para garantir a qualidade dos produtos e a fidelização dos clientes. Em Portugal, a aplicação de um quadro regulamentar emanado da União Europeia e que não respeita a estrutura organizativa/cultural do nosso país, pode determinar (tanto em Portugal como noutros países) uma tal normalização de procedimentos e de produtos que pode vir a ser fatal para um conjunto alargado de produtos agroalimentares transformados, de alta qualidade e de grande valor. O respeito por princípios sanitários e de higiene associados à transformação de produtos e o seu cruzamento com o saber-fazer ancestral são a chave para uma valorização que é importante para o país e fundamental para os produtores mais pequenos.
É percetível por todos que quanto mais intermediários houver entre a produção e o consumo, menor valor ficará para o produtor e, nesse contexto, a comercialização direta e os circuitos curtos de comercialização são bons instrumentos de valorização das produções e de justiça na apropriação do valor produzido.
Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Resolução:
A Assembleia da República recomenda ao Governo, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República:
1. A criação de um Grupo de Trabalho envolvendo o Ministério da Agricultura e do Mar, o Ministério da Economia, o ministério responsável pelo Desenvolvimento Regional, a Associação Nacional de Municípios Portugueses e as confederações que representem associações de pequenos agricultores que no prazo de seis meses apresente um relatório com um conjunto de medidas a implementar para dinamização de mercados locais e instrumentos de venda direta entre o produtor e o consumidor;
2. Que faça um levantamento dos projetos, iniciativas e entidades que trabalhem e tenham projetos em matéria de valorização de produção em
pequena escala e de venda direta e valorização de produção, envolvendo-os na elaboração do relatório do Grupo de Trabalho constituído ao abrigo do ponto anterior;
3. Garanta aos pequenos produtores a possibilidade de se organizarem livremente, designadamente em Organizações de Produtores, com respeito pela sua dimensão, especificidade e capacidade produtiva, como forma de valorizarem as suas produções, nomeadamente através da venda direta ao consumidor;
4. Garanta as medidas de fiscalidade e as isenções adequadas às características da pequena produção de proximidade de modo a estimulá-la e a estimular a relação direta entre a produção de pequena escala e o consumo;
5. Garanta a existência de apoios públicos à criação e ao funcionamento dos mercados locais e regionais de produções familiares;
6. Garanta à Agricultura Familiar a comercialização dos seus produtos, o preço dos produtos agroalimentares e o rendimento da agricultura familiar, nomeadamente através de:
a. Criação de canais de escoamento da produção familiar nacional para escolas, hospitais, instalações militares e outras instituições com funções públicas;
b. Institucionalização do pagamento das produções a pronto ou a curto prazo, para a pequena e média agricultura;
c. Regulamentação e fiscalização da atividade dos hipermercados, nomeadamente quanto aos preços praticados; aos prazos de pagamento a fornecedores; à aplicação de "quotas mínimas de comercialização" de bens agroalimentares de produção nacional e
local;
d. Criação duma Rede Nacional de Abate, com matadouros adequados e próximos da produção;
e. Elaboração de um plano a nível nacional para aproveitamento dos produtos não comestíveis em natureza;
f. Retomar as políticas públicas e os mecanismos comunitários de controlo da produção e do mercado (quotas, destilação de vinhos, ajudas ao armazenamento), para garantir "retiradas", a preços justos, das produções em excesso nos mercados. Retomar a "preferência comunitária", na comercialização de bens agroalimentares;
g. Controlo dos preços das principais mercadorias e outros fatores de produção (pesticidas, sementes, eletricidade, rações, adubos, combustíveis);
h. Garantia da qualidade dos produtos e fiscalização adequada;
i. Definição de apoios à criação de parques de máquinas para a utilização dos pequenos agricultores e fiscalização dos preços praticados pelos alugadores;
j. Regulamentação, contingentação e fiscalização rigorosa, pelo Estado português, das importações de produtos agrícolas, limitando-as e fomentando o aumento da produção nacional, particularmente nos subsectores, em que sendo estratégicos, somos amplamente deficitários;
k. Garantia da preferência nacional nas transações de bens agroalimentares.
Assembleia da República, 27 de março de 2014

Os Deputados,
JOÃO RAMOS; JOÃO OLIVEIRA; MIGUEL TIAGO; DAVID COSTA; PAULA SANTOS; ANTÓNIO FILIPE; JORGE MACHADO; RITA RATO; DIANA FERREIRA; PAULO SÁ

fonte: comunicado

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