segunda-feira, 27 de abril de 2015

"Julgo que o PS não quer voltar à era de estar contra os agricultores"

O presidente da CAP, João Machado, elogia o governo e pede continuidade nas políticas para a próxima legislatura

 
Tudo é Economia - João Machado
 
25/04/2015 | 00:00 |  Dinheiro Vivo

É empresário agrícola há mais de 30 anos na região da Estremadura, onde produz vinho. João Machado é ainda, desde 1999, o presidente da CAP - Agricultores de Portugal, que apresentou nesta semana o documento de visão estratégica para a agricultura.
A CAP cumpre neste ano 40 anos. Para assinalar a data, apresentou uma visão estratégica para a agricultura. Quais devem ser as prioridades, considerando a nova vaga de fundos europeus?
Estamos a começar a implementar neste momento, com um ano de atraso, por culpa da União Europeia, o novo quadro comunitário de apoio. Apesar disso, este Programa de Desenvolvimento Rural (PDR 2020) já tem um conjunto de candidaturas que vieram do ano passado, porque se abriu, com a autorização da Comissão Europeia, um período intercalar. O ProDer, o programa anterior, já estava esgotado, teve atrasos assinaláveis no início mas conseguiu recuperar, e temos, neste momento, um grau de execução financeira de 98%, o que nos dá garantias de que será executado totalmente até ao verão, tal como mandam as regras. Quanto ao PDR, com o período de candidaturas intercalar, já vai adiantado. Temos um quadro, mesmo não sendo o que gostaríamos.
O PDR 2020 adequa-se às necessidades dos agricultores?
Sendo realista, e numa resposta rápida, diria que sim. Ambicionamos sempre mais. Também gostaríamos de ter uma Política Agrícola Comum (PAC) mais preparada para os países do Sul da Europa. A PAC foi criada pelo núcleo de países fundadores da União Europeia, tem vindo a adequar-se, mas ainda não é perfeitamente adequada. Mas podemos dizer que a negociação foi boa, porque há mais países, há menos dinheiro e Portugal tem o mesmo dinheiro. Agora, é preciso aplicá-lo bem, termos sucesso como com o final do ProDer e não interrompermos o período de progresso que vem de há cinco anos para cá.
Existem as condições para que o dinheiro deste programa também seja esgotado até 2020?
Se tudo se passar como se tem passado nos últimos quatro anos, sim. Em primeiro lugar, é preciso estabilidade na administração pública e nas políticas. Vamos ter eleições em outubro, temos de ver quem será o próximo governo e o próximo ministro da Agricultura e quais serão os objetivos do próximo governo para a agricultura portuguesa. Diria que, neste momento, tudo se enquadra para que haja uma continuidade. Se estamos a percorrer um caminho que tem sido positivo, deveremos continuar. Há uma questão fundamental, que é a estabilidade nas políticas, mas há outra que é muito mais importante e que não faltou nos últimos quatro anos, que é a comparticipação nacional do Orçamento do Estado (OE). Para termos acesso aos fundos comunitários, temos de ter, em média, uma comparticipação nacional de 25% do OE. Mesmo em momentos difíceis, com a troika, o governo atual nunca deixou de colocar no OE as verbas necessárias para que o Ministério da Agricultura tivesse dinheiro suficiente para complementar as verbas de Bruxelas.
Está confiante de que isso voltará a acontecer na próxima legislatura, independentemente de quem vier a assumir o governo?
Não tenho dúvidas, porque hoje é muito claro que a agricultura prestou um muitíssimo relevante serviço ao país. Nos anos em que não havia investimento, nós investimos sempre mais mil milhões de euros por ano, criámos e qualificámos emprego, continuámos a aumentar as exportações e a diminuir importações, mesmo nos anos da troika.
Em relação ao PDR 2020, qual o papel que a CAP pode ter no controlo dos apoios? Existe um histórico de irregularidades e dinheiro mal aplicado na agricultura em Portugal?
Esse foi um cenário que se criou e não é verdadeiro. Mas existem problemas.
Não há o equivalente a rotundas e piscinas municipais na agricultura?
Não, as devoluções e as multas de que se fala, que a Comissão Europeia aplica a Portugal, não têm que ver com projetos de empresários agrícolas que tenham de devolver o dinheiro porque não executaram o projeto. Aliás, há a condição de que o projeto tem de ser primeiro executado com o dinheiro do empresário e só depois de fiscalizado é que é pago. Portanto, esse risco não existe. Há muitos anos, havia mais riscos e a Comissão Europeia mudou as regras. Sobre as multas - há pouco tempo ouvimos falar de mais uma -, são irregularidades que a Comissão deteta no procedimento administrativo do dinheiro em Portugal por parte da administração pública portuguesa. Essas multas vêm cometidas ao país, muitas vezes quatro ou cinco anos depois. A de que se falou agora ainda é do tempo do governo anterior, é do tempo do ministro Jaime Silva. Se, como estamos a fazer agora, cumprirmos todas as regras, não há nenhum risco de devoluções.
O aumento da produção é uma das orientações do PDR 2020 e da nova PAC. Em Portugal existem condições para isso? Há terras, recursos, mão-de-obra, agricultores disponíveis para investir?
Existe tudo isso. É uma felicidade para nós esta PAC, ao fim de cinco reformas da PAC, que começaram em 1992, ter, pela primeira vez, este artigo sui generis que diz que a política agrícola se destina novamente a apoiar o aumento da produção na Europa. Até agora, o que diziam aos agricultores era: "Você tem de produzir menos, tem cada vez mais regras de segurança ambiental, alimentar e de segurança animal. Esta é uma novidade muito boa, os agricultores ficam muito felizes quando podem produzir mais, é daí que vem o seu ganho. E existem condições, tanto que existem que estão a a acontecer a todo o momento. Todos os indicadores mostram isso. Mas há uma coisa muito importante: Portugal tem hoje, ao contrário do que as pessoas pensam, uma quase total utilização da superfície agrícola utilizável. Aquilo que se diz do abandono não é verdade. As pessoas passam na estrada e pressupõem que é abandono, mas é um tipo diferente de cultura. Por exemplo, se for passear para a serra da Estrela e disser que está tudo abandonado, porque só tem mato, mato é o que comem as ovelhas que dão o leite para fazer o queijo da Serra, e nas pedras da serra da Estrela não dá outra coisa que não seja mato.
Há falta de terras e não excesso?
Em Portugal, as terras boas e produtivas são escassas e são caras.
Como é que se resolve o problema?
Vai-se adequando. A terra não é como uma fábrica, não se cria. Estamos a atacar o problema de outra maneira.
Aumentando a produtividade?
Aumentando a produtividade, diminuindo os custos de produção, eliminando alguns fatores de produção desnecessários, mas sobretudo transformando. O Alqueva atinge o mesmo número de hectares que já lá estavam, só que esses hectares eram muito menos produtivos porque não tinham água. Quando transformamos sequeiro em regadio tornamos as terras mais produtivas, aumentamos a produção, aumentamos o rendimento, podemos dar um salto qualitativo. Há muitos outros perímetros de rega em Portugal, não é só o Alqueva, que precisam de reabilitação. Se formos fazendo isso, estamos a disponibilizar mais terras.
A obra no Alqueva estará concluída em 2016. Quais as previsões de produção agrícola em Portugal?
Passamos a gastar menos água para fazer o mesmo, temos tecnologias de rega muito mais assertivas e, portanto, podemos chegar, depois de 2016, não a 120 mil hectares, mas a 170 mil. O Alqueva é hoje o grande motor de desenvolvimento da agricultura portuguesa.
Uma medida que vai no sentido de aumentar a produção é o fim das quotas leiteiras, que terminaram a 31 de março. As empresas europeias podem produzir o que quiserem, o que pode ser uma oportunidade, mas pode também deixar vulneráveis os produtores mais pequenos. Qual o impacto desta medida?
Há propostas, até da União Europeia, de implementar medidas de recurso, se houver um impacto muito negativo em alguma parte da Europa. Portugal e a CAP foram sempre contra o desaparecimento das quotas no leite, porque defendiam os mais periféricos, os mais fracos e os mais pequenos. Com o fim das quotas, os mais produtivos têm vantagem, por via das condições de produção. No Centro e no Norte da Europa não é preciso fazer milho e regá-lo, porque chove quase todos os dias e as vacas têm sempre erva para pastar, é mais barato produzir.
Deveria haver preços garantidos?
Não me parece que seja esse o caminho. A garantia de preços deu maus resultados, quando há muitos anos tivemos um lago de leite na Europa. Existiu um preço de intervenção que funcionava como uma garantia. Abaixo daquela rede, os agricultores podiam entregar leite à Comissão Europeia e depois foram os excedentes que se viu. Não vamos voltar a esse princípio.
Como é que o sector se pode defender?
Sendo mais eficiente. Dentro das nossas condições específicas, temos de fazer leite nos sítios com mais aptidão, com custos mais baixos e, sobretudo, acrescentando valor. O leite mais nutritivo é o leite do dia, que dura não mais de uma semana, viaja muito mal e é o que tem mais valor acrescentado. Ora, o que os portugueses consomem é o UHT, que dura três meses e pode ser transportado por toda a Europa. Se conseguirmos transmitir esta vantagem nutritiva ao mercado e os portugueses passarem a pagar um pouco mais por este leite, que não pode vir de França ou de Espanha, estamos a ser inteligentes e a proteger o sector.
Nos últimos cinco anos, o sector investiu mais de sete mil milhões de euros, o que fez que, mesmo em tempos de crise, a agricultura portuguesa tenha crescido e chegado a novos mercados. No ano passado, as exportações aumentaram 7,8% e as importações diminuíram 2,9%, mas ainda não há equilíbrio da balança agroalimentar. O que é que falta fazer?
Falta continuar a fazer o que temos feito, que é investir, criar condições de produção, exportar mais e substituir importações. Só no ano passado esse caminho foi percorrido em 600 milhões de euros, e temos de continuar.
Será possível manter ou acelerar este ritmo?
Não tenho dúvidas. Se vai acontecer, depende também das condições políticas e de planeamento. Agora, já demos provas, nos últimos quatro ou cinco anos, de que é possível. Já lá vão menos 1,3 mil milhões de euros de défice, que nós já cobrimos com exportações. Mas temos eleições no final do ano e isso causa um ponto de interrogação.
A abertura de novos mercados aos produtos portugueses tem sido bem--sucedida?
Sim, mas tem sido difícil. Foram abertos por este governo 70 novos mercados, mais de 140 produtos para o agroalimentar, mas é um caminho que nunca tem fim. Estamos todos os dias a tentar exportar, nós e os outros que têm produtos agrícolas para exportar, para os países que têm dinheiro. Há uma fila de gente, empresas e países, a pedir para exportar.
Falta a pera rocha entrar nos EUA?
Isso. Os italianos exportam pera para os Estados Unidos, cumprem as mesmas regras que nós e nós ainda não conseguimos exportar pera rocha. Teremos de continuar nesse sentido.
Passaram oito meses desde o embargo russo aos produtos agrícolas europeus. Qual é o balanço?
O mercado russo tinha sido aberto já por este governo. No entanto, a Rússia é um mercado ainda pequeno, de 40 a 50 milhões de euros por ano. É uma pena perder um trabalho que se começou há quatro anos, mas não é um mercado que nos preocupe tanto quanto Angola.
Consegue quantificar o impacto da crise na economia angolana para as empresas agrícolas portuguesas?
Não, nem ninguém consegue quantificar. Estamos a falar de um mercado que, por exemplo, no vinho, é o nosso maior mercado de exportação, destinatário de 25%. Angola, ainda por cima, não era como a Rússia, um mercado seletivo de produtos, importava quase tudo e, portanto, é um mercado com uma importância capital. Ainda não estamos a ver todo o seu impacto.
Outro dos problemas do sector, aliás, recorrente é a relação desequilibrada entre agricultores - muitos são pequenos - e as grandes cadeias de distribuição. O problema agravou-se com a crise e a guerra de descontos?
O problema agravou-se há muito tempo, desde que os governos permitiram que, em Portugal, houvesse uma concentração tão grande das grandes superfícies. Essa concentração acabou com muito do pequeno comércio. Hoje, não temos cadeias curtas de venda de produto, não temos mercados de proximidade. Temos de voltar a refazer esse caminho. O problema agravou-se com a guerra de descontos. Temos, no entanto, uma legislação que veio regular as relações comerciais e impor algumas regras. É um facto que esta legislação é melhor do que a anterior, o problema é que a crise e a guerra dos descontos não tem ajudado nada nos últimos tempos.
Há condições para chamar os mais jovens para a agricultura?
Tem acontecido todos anos. Estamos a fixar, na agricultura, mais de três mil jovens por ano, com projetos, investimento e, sobretudo, com algo que é fundamental: a capacidade técnica, com formação superior. Pessoas que trazem outras competências são muito importantes para rejuvenescer o sector agrícola.
Isso muda a forma como caracteriza os agricultores em Portugal?
Sem dúvida. Estão a mudar as pessoas, está a mudar a maneira como é encarado o sector e está a mudar a filosofia do sector, que é um sector de futuro, com uma carreira pela frente.
Falta mudar alguma coisa?
Há uma questão fundamental, que é trabalharmos com as universidades e a comunicação social. Temos de cativar cada vez mais jovens para a agricultura, demonstrando que esta é uma carreira de futuro.
Os portugueses continuam longe de querer investir e trabalhar na agricultura? O interesse é, sobretudo, estrangeiro?
Não, a maioria do investimento de sete mil milhões dos últimos cinco anos foi portuguesa. Há cerca de dez anos, houve uma vaga de investimento estrangeiro, sobretudo espanhol e no Sul do país, que agora até está a fazer o caminho inverso. Os estrangeiros estão a vender. É óbvio que continua a existir um conjunto de investidores que olha para Portugal como oportunidade. Há uma coisa que costumo dizer, em termos do investimento estrangeiro em Portugal, é que a terra não se deslocaliza e os euros dentro da União Europeia são todos iguais. Portanto, se um investidor europeu, ou de outra parte do mundo, vier investir em Portugal, criar riqueza em Portugal, é muito bem-vindo.
Os consumidores já valorizam mais os produtos agrícolas nacionais?
Se perguntar aos consumidores, todos lhe vão dizer que preferem produtos nacionais, mas depois escolhem pelo preço. Mas temos programas muito fortes de valorização dos nossos produtos. Respondendo diretamente à pergunta, são reconhecidas, genericamente, a qualidade, a diversidade e a vantagem de consumir português, mas, às vezes, o preço é o principal.
Portugal não consegue combater com o preço.
Muito dificilmente, temos de combater com outras armas. Não somos um grande produtor, mas um país que tem grande qualidade e grande diversidade. É por aí que temos de trabalhar.
O aumento da população mundial e a alteração de hábitos de consumo das economias emergentes, como a China, lançam fortes desafios à agricultura mundial. Como é que a Europa e Portugal, em particular, se devem preparar para o problema?
Portugal tem, ainda antes de pensar na China, um problema próprio, que é chegarmos à autossuficiência em valor. Temos de trabalhar dentro do país, mas dentro desta Europa, que é o maior player mundial de produtos agroalimentares, maior do que os Estados Unidos. O que temos de fazer é aquilo que PAC nos diz para fazer, que é produzir mais, com qualidade, segurança alimentar, bem-estar animal, dando garantias aos consumidores.
Qual a avaliação que faz da política deste governo e da ministra Assunção Cristas para a agricultura?
Não posso dizer que concordei a 100% com todas as medidas que o governo tomou, até discordei, publicamente, de algumas, mas o resultado na agricultura é largamente positivo. Os bons resultados são demonstração disso. Pagar a tempo e horas aos agricultores, promover o investimento, abrir mercados, exportar mais, são boas notícias. Saímos do programa de assistência financeira e temos agora de fazer um outro caminho, o caminho dos mercados, da PAC, de consolidar aquilo que ganhámos num momento muito difícil. É por isso que falo tanto em estabilidade. Gostaria de ver garantida essa estabilidade depois do final deste ano.
Esta semana ficámos a conhecer as propostas de economistas do PS, uma espécie de antecâmara do programa eleitoral do PS. São positivas?
Não conheço em pormenor as medidas. Terei muito gosto em ouvi-las da boca do próprio secretário-geral do PS, que já nos convidou para uma reunião. Mas há uma coisa que posso dizer desde o princípio: não há ninguém que queira mais do que os agricultores, que vendem produtos no mercado nacional, que a austeridade acabe, porque isso quer dizer mais dinheiro disponível para comprar mais produtos e, sobretudo, para não comprar os mais baratos. Agora, o abrandamento da austeridade tem de ser acompanhado de grande prudência. Não queremos voltar ao défice excessivo e, portanto, temos de ver as propostas com muito cuidado.
Qual deverá ser o perfil do próximo ministro da Agricultura?
Tem de ser alguém que entenda o desenvolvimento do sector nos últimos anos e que quer continuar na mesma senda de desenvolvimento. Ter um ministro como o que tivemos no passado recente, que estava contra o sector e que não punha os fundos comunitários à disposição do sector, seria travarmos o que fizemos nos últimos cinco anos, inclusive com um governo socialista e depois com um governo da coligação. Foi feito igualmente bem pelo ministro António Serrano e pela ministra Assunção Cristas, e, portanto, o perfil deve ser de continuidade, de trabalho e, obviamente, de resolver os problemas.
Quais devem ser as prioridades para a próxima legislatura?
Continuar a aumentar as exportações, equilibrar a balança até 2020, valorizar os nossos produtos, sempre numa perspetiva de criar condições para os agricultores investirem, terem custos de produção mais baixos. O Estado deve fazer a sua parte e não querer fazer a parte dos agricultores, mas fazer a sua parte bem feita. Por exemplo, há regadios públicos que precisam de manutenção. Essa é a parte do Estado, os agricultores virão depois.
Há risco de interrupção do trabalho?
Diria que, do CDS, passando pelo PSD, ao PS, espero, não há risco de acontecer uma interrupção deste desenvolvimento. Julgo que o próprio PS não quer voltar à era de Jaime Silva e de estar contra os agricultores - tem demonstrado, aliás, que repudia essa postura. O próprio ministro António Serrano alterou totalmente a política do seu antecessor. Agora, conheço bem o que o CDS e o PSD pensam sobre o sector agrícola, tenho de ver as propostas do PS.
Noto receio em relação ao PS. A CAP preferia outro governo PSD-CDS?
O receio não está na alternância democrática. Aceitamos muito bem o resultado eleitoral que os portugueses quiserem ditar, o que queremos é que as políticas sejam de continuidade. A única coisa que pedimos ao PS é que tenha políticas de apoio ao sector, como já o demonstrou no passado.

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