sábado, 27 de junho de 2015

Os agricultores e as organizações de produtores

OPINIÃO

Ricardo Vicente

Para a maioria dos agricultores nacionais torna-se impossível constituir uma organização de produtores, a hipótese que lhes sobra é juntarem-se às dominadas pelos grandes produtores e distribuidores.

15 de Junho, 2015 - 11:00h

Segundo dados do INE, em 2013 existiam 264,4 mil explorações agrícolas em Portugal, com uma dimensão média de 13,8ha e com um Valor de Produção Padrão (VPP) total por exploração de 17,1 mil euros. A população agrícola familiar representava 6,5% da população residente. Apenas 6,2% dos produtores agrícolas viviam exclusivamente da agricultura. Entre os produtores singulares (253 mil), setor que tinha uma idade média de 64 anos, 95% pretendiam continuar atividade, mais de metade por motivos económicos.

Em 2013, segundo o relatório do GPP de Dez. 2014, 21 mil explorações agrícolas constituíam 135 Organizações de Produtores (OP) com áreas de atividade diversas, representando estas 0,08% das explorações do país e 8,64% do Valor de Produção Comercializada (VPC). 62% das OP atuavam no setor Frutas e Produtos Hortícolas, dominando 24% do valor de comercialização nacional deste setor, e 48% estavam localizadas na Região de Lisboa e Vale do Tejo. Para o quinquénio 2005-2009, o VPP das explorações agrícolas do Ribatejo e Oeste, para os setores Hortícolas Frescos (ar livre), Vinha e Frutos de Climas Temperados, foram 9.740€, 1.967€ e 11.134€, respetivamente.

Os parágrafos anteriores descrevem resumidamente o tecido agrícola e a fraca importância das OP a nível nacional. Sobre esta realidade desenham-se as políticas agrícolas nacionais e aplica-se a Política Agrícola Comum (PAC) com a reduzida margem de manobra que a cada Estado membro é possibilitada. O atual Programa de Desenvolvimento Rural (PDR), 2º pilar da PAC, prevê um conjunto de novas medidas que favorecem os membros das OP de forma significativa: majoração de 10pp sobre o apoio ao investimento; acréscimo de 5 mil euros ao prémio de instalação de jovens agricultores; e prioridade na aprovação de projetos de investimento, entre outras vantagens. As OP beneficiam ainda de ajudas comunitárias e nacionais para a constituição de um fundo financeiro denominado Fundo Operacional, que é destinado ao investimento tecnológico e funcional de toda a estrutura (membros e OP) e cujo valor máximo anual, que depende do VPC total da OP, é constituído, grosso modo, por: contribuição dos membros + ajuda comunitária (4,1 a 4,6% do VPC) + ajuda nacional (máx. 80% da contribuição dos membros). O modo de constituição do Fundo Operacional não se alterou com o novo quadro.

Para constituição e reconhecimento de novas OP para cada setor é necessário cumprir com um conjunto de critérios, destacando-se claramente o VPC mínimo e o número de produtores necessários como principais fatores limitantes. Para os setores do Vinho e para as Frutas e Hortícolas, é exigido um VPC mínimo de 3,5 e de 3 milhões de euros anuais, com um mínimo de 12 e 7 produtores membros, respetivamente. O VPC mínimo duplicou comparativamente com o quadro anterior. Em ambos os quadros, o VPC mínimo passa a metade, caso o número de membros seja 3 vezes superior ao mínimo. Estatutariamente é permitido que os direitos de voto e o capital social estejam concentrados 49% em apenas um membro da OP, até mesmo em situações em que esse membro não é produtor.

Perante este cenário, torna-se impossível para a maioria dos agricultores nacionais constituir uma OP, a hipótese que lhes sobra é juntarem-se às OP dominadas pelos grandes produtores e distribuidores, onde não têm qualquer capacidade para determinar o seu futuro ou regras de funcionamento. Façamos as contas, com base no VPP do Ribatejo e Oeste, no mínimo seriam necessários: 135 produtores para as frutas; 154 para as hortícolas e 890 para o vinho. O atual Governo poderia ter feito de forma diferente, mas fez a escolha do costume: prejudicar a maioria dos agricultores e beneficiar entidades de maior dimensão, possibilitando a concentração de subsídios em forma de renda.

A pressão para aderir às OP será grande, pois todos os apoios direcionados para a agricultura estão em parte dependentes desta adesão, no entanto, usufruir desta "vantagem" significa uma vinculação de exclusividade por parte do agricultor à OP durante pelo menos 5 anos com a venda da sua produção. Trata-se de passar um cheque em branco, pois o agricultor perde a sua capacidade de negociação de preços.

Este caminho leva à desarticulação dos pequenos agricultores do mercado e ao bloqueamento da sua organização e desenvolvimento. Os seus defensores argumentam que é necessário que as Organizações de Produtores cresçam na sua dimensão, mais do que no seu número, de forma a ganharem capacidade de negociação com a grande distribuição. Se esta fosse a sua verdadeira motivação, por que motivo manteriam a possibilidade estatutária de haver concentrações de capital social e de direitos de voto em 49%? Por que motivo reduziriam o número mínimo de membros necessários para formar uma OP? Uma boa parte das OP atualmente reconhecidas, antes de o serem já eram entidades distribuidoras intermédias e autónomas implementadas no mercado e assim pretendem continuar sê-lo. A forma mais rápida e eficiente de aumentar a capacidade de negociação, por via da concentração, com a grande distribuição (Jerónimo Martins, Sonae,…) seria estas entidades fundirem-se, mas ninguém parece estar disponível a abdicar da sua autonomia, no entanto, defendem que os outros, os pequenos produtores sem direito de voto, o devem fazer juntando-se eles.

A constituição de OP para os diversos setores agrícolas pode efetivamente ser um fator capaz de impulsionar o desenvolvimento socioeconómico da agricultura mas esta ferramenta tem de ser disponibilizada aos agricultores, com regras e dimensionamentos adequados às condições concretas de cada setor e de cada região, possibilitando a constituição e a agregação dos pequenos e médios agricultores, que representam o tipo de agricultura dominante em Portugal. Trata-se também de discutir a boa aplicabilidade de dinheiros públicos, nacionais e comunitários. É necessário ainda impor regras estatutárias que permitam a democratização das OP, impossibilitando a hegemonia dos membros de maior dimensão. Para tal é urgente revogar a Portaria 169/2015, de 4 de Junho.



Sobre o/a autor(a)

Ricardo Vicente
Engenheiro agrónomo

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