domingo, 5 de julho de 2015

“A UE tem a política climática mais avançada do mundo”


RICARDO GARCIA 05/07/2015 - 08:04
Entrevista a Humberto Rosa, ex-secretário de Estado do Ambiente e director de adaptação e tecnologias de baixo carbono na Comissão Europeia.

 
Humberto Rosa fotografado em Lisboa em 2012 RUI GAUDÊNCIO/ARQUIVO

Há três anos a dirigir a área de adaptação e tecnologias de baixo carbono da comissão europeia, o ex-secretário de Estado do Ambiente, Humberto Rosa, diz que a conferência climática de Paris, no final do ano, não será uma varinha mágica que solucionará o problema do aquecimento global. A Europa, afirma, está a liderar nos esforços contra as alterações climáticas. Mas a China pode-se tornar um gigante verde. O PÚBLICO conversou com Humberto Rosa em Bruxelas.

É possível viver sem combustíveis fósseis em 2100?
Não só é possível, como é indispensável a longo prazo. Não podemos assentar o nosso desenvolvimento e bem-estar numa fonte esgotável de energia. Estamos a trilhar um caminho na Europa, desde logo com metas de redução de emissões até 2030 e outras pré-estabelecidas até 2050. Provavelmente não é possível com a tecnologia actual passar a zero. Mas já existe muita tecnologia disponivel para atingirmos pelo menos as nossas metas presentes. E com a inovação tecnológica que está fertilmente a aparecer em toda a parte, não me parece que seja um cenário muito fantasista.

Descarbonizar os processos industriais parece ser o mais difícil. Como vamos conseguir isso?
Muito do que é necessário para o sector industrial depende de inovação. E na revisão do sistema europeu de licenças de emissão está previsto um fundo, que é continuação do programa actual NER 300, com a receita de mais de 400 milhões de licenças, para financiar projectos inovadores. Já há no pipeline muita informação fervilhante a aparecer em muitas frentes. Para algumas indústrias mais intensisvas em carbono – por exemplo, refinarias, aço, cimento – a captura e armazenamento de carbono industrial pode ser uma das formas.

Capturar e armazenar o CO2 é uma solução cara…
Quando olhamos para as análises do IPCC ou da Agência Internacional de Energia, vemos que é muito mais caro não fazê-lo. O caminho custo-eficiente é com captura e armazenamento de carbono.

Mesmo sem um mercado internacional de carbono e com o CO2 a preços baixos no mercado europeu?
O NER 300 tinha a perspectiva de apoiar vários projectos de captura e armazenamento de carbono e só um é que veio a ser confirmado. Isto tem muito a ver com preço do carbono. Mas é por isso é que está em curso uma revisão do comércio europeu de licenças de emissões, para dar condições a que o preço do carbono venha a subir.

Quem é que vai pagar a tecnologia de baixo carbono nos países em desenvolvimento?
Resisto a ver o mundo como uma parte que sabe inovar e tem tecnologia e a outra que apenas está à espera que ela lhe seja dada. Há também muita inovação que vem dos países em desenvolvimento, em particular das economias emergentes. E a China vem logo à cabeça: está num dinamismo de despoluição por interesse próprio, pelas próprias condições ambientais negativas que tem enfentrado. E vejo isso como muito promissor. Existem também mecanimos nas negociações climáticas, desde logo um pacote financeiro de apoio aos países em desenvolvimento e de transferência de tecnologia

Como vê o problema das emissões de CO2 da aviação, com a perpectiva de duplicar o movimento de aviões e passageiros vai duplicar até 2030?
A aviação é realmente o sector dos transportes mais complexo, do ponto de vista tecnológico. Não é fácil imaginar uma alternativa viável ao combustível fóssil. E não me parece provável que tenhamos no futuro aviões a baterias eléctricas ou a energia nuclear. E mesmo as tentativas, que são muito interessantes, de aviões solares, é difícil imaginá-las com 180 passageiros e carga a bordo. Tecnologicamente, os biocombustíveis oferecem mais oportunidades. É um desenvolvimento que tem de ser muito bem feito, com biocombustíveis em quantidade e sustentáveis, que não causem eles mesmo problemas ambientais singificativos.

Isto não é uma espécie de quimera que estamos a alimentar, sabendo que é impossível ter quantidades suficientes de biocombustíveis, sem competir com a alimentação ou as florestas?
Quanto a produzir combustíveis avançados e sustentáveis, já hoje alguns se perfiguram nesse sentido. Por exemplo, biocombustíveis feitos a partir de resíduos domésticos. Ou então, sistemas de produção de biocombustíveis através de microalgas, em sistemas fechados, em grandes torres de água alimentadas com energia solar. Quanto às quantidades necessárias, isto é uma análise própria, de quanta biomassa sustentável há, quanta é que pode ir para os transportes, e quanta dessa em particular para a aviação.

A adaptação às alterações climáticas são algo de longo prazo, que parece não estar na agenda dos cidadãos. O que a Europa precisa fazer?
Não concordo que seja de longo prazo. Os efeitos das alterações climáticas, já os sentimos agora.  E quanto ao cidadão poder ter ideia do que pode ou não fazer, é muito simples quando lhe bate uma cheia à porta ou quando vê um fogo florestal ao lado. É até mais fácil comunicar com os cidadãos sobre adaptação do que sobre redução de emissões. Agora, a adaptação é muito local, na cidade, na região, na localidade. Há muitíssimas cidades com acções concretas no terreno. O mais evidente nas cidades europeias é a preparação para as cheias.

Sem comentários:

Enviar um comentário