domingo, 3 de janeiro de 2016

Do Vietnã à Austrália, El Niño abate agricultura



Por LUCY CRAYMER, de Hong Kong
Segunda-Feira, 28 de Dezembro de 2015 00:03 EDT

Duas mil cabeças de gado do pecuarista Troy Setter vêm trilhando caminhos centenários através dos campos da Austrália, alimentando-se da grama ao longo das estradas para ganhar peso antes do abate.

Embora faça lembrar uma era distante, essa migração não é uma viagem nostálgica. O El Niño mais severo dos últimos 20 anos reduziu as pastagens no leste da Austrália, deixando os animais sem comida suficiente.

A Consolidated Pastoral Company, empresa da qual Setter é o diretor-presidente, recorreu ao método antigo de levar a boiada a outras pastagens para evitar alguns dos problemas que o El Niño está causando aos negócios. Já alguns agricultores estão se beneficiando de preparações anteriores para períodos de seca ou simplesmente da sorte, mas as lavouras em geral estão com a produtividade baixa, inclusive as de arroz, o principal alimento da região.

Desde maio, o El Niño trouxe altas temperaturas e chuvas abaixo do normal para o leste da Austrália, o Sudeste Asiático e a Índia. As condições mais secas aumentam o custo e o tempo necessário para cultivar muitos produtos agrícolas, um fator que vem elevando os preços no segundo semestre de 2015. Os futuros das commodities agrícolas vêm subindo desde junho, com o óleo de palma da Malásia em alta de 9,6% e o açúcar demerara, de 25%.

Outras regiões têm se beneficiado do fenômeno climático. Na América do Sul e nos Estados Unidos, o El Niño trouxe condições meteorológicas ideais para a agricultura, o que resultou numa grande produção de grãos.

Depois do terceiro ano de seca em algumas regiões da Austrália, os vaqueiros estão usando a marcha dos animais para elevar o peso do gado antes de chegar aos confinamentos, onde eles serão engordados até o abate. A Consolidated Pastoral Company transportou de caminhão uma pequena parte de seu rebanho de 375 mil cabeças desde o Estado australiano de Queensland, no oeste do país, até Goondiwindi, no sul, onde eles estão sendo conduzidos pela fértil região de Narrabri, no Estado de New South Wales. Depois, o rebanho ou vai voltar para a fazenda da empresa, caso a seca termine, ou será enviado para confinamentos na Indonésia.

Graças a seu porte e abrangência, a Consolidated Pastoral Company conseguiu, em grande parte, proteger-se do impacto do El Niño, diz Setter. Outros pecuaristas australianos cujas terras se concentram nas regiões afetadas pela seca não tiveram a mesma sorte, sendo forçados a reduzir seus rebanhos.

Nos últimos 30 anos, os pecuaristas australianos introduziram uma raça americana de gado mais apropriada a condições quentes e secas. A raça Brahman agora representa cerca de 17% do gado australiano e uma proporção ainda maior carrega material genético dela. O gado possui um couro escuro para proteger-se das queimaduras de sol, tem pelos mais curtos, urina como menos frequência e é capaz de se alimentar de ração de menor qualidade, diz John Croaker, gerente-geral da Associação de Criadores de Brahman da Austrália Ltd.

A seca também se tornou um desafio para os produtores de café na Ásia, mas os investimentos deram resultado. No Vietnã, os sistemas de irrigação que foram instalados gradualmente desde a década de 90 têm ajudado os produtores a anular os efeitos das chuvas fracas durante a maior parte de 2015, diz Aurelia Britsch, analista da firma de pesquisa BMI Research em Cingapura.

Cerca de 25% dos 445 mil hectares de cafezais na província de Dak Lak, por exemplo, agora têm acesso à irrigação. No início deste ano, o governo prometeu melhorar e ampliar o sistema atual.

As iniciativas se somariam ao programa que o Banco Mundial iniciou no ano passado para fornecer irrigação e drenagem a cerca de 83 mil hectares de terras cultiváveis até 2020. Até agora, a instituição completou cerca de 14% do programa.

"Graças aos bons sistemas de irrigação desenvolvidos nos últimos 20 anos e à boa gerência da irrigação, os agricultores estão conseguindo resistir às secas recentes", diz Cuong Hung Pham, que supervisiona os vários projetos de irrigação do Banco Mundial no Vietnã.

Mesmo com esses sistemas, a Associação de Café e Cacau do Vietnã afirma que espera uma queda de 10% na produção deste ano até 1 de outubro, em relação ao mesmo período de um ano atrás, em parte devido à seca.

Alguns produtores de óleo de palma da Indonésia, contudo, também contaram com a sorte. Uma nova variedade da planta cultivada nos últimos anos é mais resistente à seca.

As palmeiras não foram desenvolvidas especificamente para esse propósito. Elas foram criadas para produzir um fruto com maior produtividade e maior quantidade de óleo em condições climáticas ideais, diz Jean Pierre Caliman, diretor do Instituto de Pesquisa Smart, subsidiária da Golden Agri-Resources Ltd., uma holding que investe no setor de óleo de palma.

"Parece que a produtividade permanece mais elevada, comparada às variedades anteriores, quando o clima é menos favorável para o óleo de palma, incluindo a seca", disse ele.

Mesmo com essas novas variedades de planta e outras medidas para reduzir os efeitos da seca, o conglomerado malaio Sime Darby Bhd. estima que o El Niño tenha feito a produtividade recuar entre 8% a 10% no período de 12 meses encerrado em junho, principalmente na Indonésia, diz um porta-voz da empresa.

Muitos agricultores em toda a região não podem fazer nada para evitar que as plantas morram antes da colheita. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura já projeta que a produção global de arroz caia em 2015 devido às condições meteorológicas e poderá recuar ainda mais nos próximos meses, dependendo do impacto do El Niño. O governo australiano reduziu as expectativas de uma safra abundante de trigo, após a produtividade ter sido prejudicada pela escassez de chuvas nas semanas anteriores à colheita.

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