sábado, 20 de fevereiro de 2016

A marca "Tapetes de Arraiolos" já está registada. Em Vila Nova de Gaia


CARLOS DIAS 20/02/2016 - 07:52
Município alentejano, que apresentou em 2011 o pedido de registo para obter a concessão da marca nacional do emblemático produto artesanal, continua a aguardar despacho.


 Um história de tapetes com raízes nos mouros de Lisboa
Olhando para o mapa, não há que enganar: Arraiolos fica mesmo no coração do Alentejo, com Évora a Sul e Sousel a Norte. É lá que, há séculos, se bordam tapetes com remotas origens. Mas o nome de baptismo, sabe-se agora, fugiu para norte e pertence a uma empresa de Gaia. Enquanto isso, a autarquia alentejana espera e desespera pelo registo da arte que ali nasceu.

Foi em 2013 que o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) concedeu a "Denominação de Origem – Tapetes de Arraiolos de Portugal" a uma designada Associação Nacional de Produtores de Tapetes de Arraiolos (Anprota), com sede em São Félix da Marinha no concelho de Vila Nova de Gaia. Mas se a localização já é estranha, mais estranha se torna quando se verifica ser impossível contactar tal entidade.

Os contactos telefónicos que o PÚBLICO efectuou para Lisboa, Queluz, Arraiolos e Vila Nova de Gaia, locais indicados como contactos da associação, redundaram em fracasso, nada correspondia às indicações. Em vez da Anprota, respondia outra entidade ou uma gravação indicando que o número não se encontrava disponível ou não estava atribuído.

Foi Pedro Bacelar, especialista em direito de propriedade industrial, que depois de ler o trabalho do PÚBLICO "Em Arraiolos ainda há tapeteiras a bordar contra a crise", publicado a 23 de Abril de 2015, deu pelo problema. Curioso, decidiu consultar a página do Instituto Nacional da Propriedade Industrial para ver o que se passava com a certificação do nome dos famosos tapetes. "Verifiquei com surpresa que a Denominação de Origem 'Tapetes de Arraiolos de Portugal' afinal já existia". O registo da certificação fora efectuado em Julho de 2013 a favor da Associação Nacional de Produtores de Tapete de Arraiolos para o Desenvolvimento, Promoção e Valorização.

Porém, o seu paradeiro é um mistério pois nem a linha 1820 conseguiu dar com o contacto da Anprota na freguesia de São Félix da Marinha. Também a Junta de Freguesia ficou surpreendida. "Tapetes de Arraiolos aqui? Nunca ouvimos falar!"

A associação, que se apresenta sem fins lucrativos e que conseguiu registar a Denominação de Origem de um dos produtos artesanais mais conhecidos em Portugal, foi constituída em 2013 por nove pessoas. "Nenhuma reside em Arraiolos, em Évora ou no Alentejo. São todas oriundas do Norte do país", salienta Pedro Bacelar, que deixa um alerta: "Com base na 'sua' Denominação de Origem, a Anprota pode impedir o registo de qualquer outro sinal distintivo igual ou confundível (marca; marca colectiva de certificação; logótipo; Denominação de Origem ou Indicação Geográfica) que tenha a ver com os tapetes de Arraiolos."  

A revelação deste facto chegou ao conhecimento de Sílvia Pinto, presidente da Câmara de Arraiolos, recentemente. "Acho curioso que nenhum dos membros da associação seja do nosso concelho", comentou a autarca, admitindo que a iniciativa dos nortenhos tem "apenas um objectivo económico e não de preservação da história do tapete e de passagem de conhecimento de mães para filhas, ao longo de gerações," frisou.

O certo é que a autarquia tem tentado, desde Setembro de 2011, regista a marca nacional, mas o processo continua "em fase de estudo", está escrito na síntese do processo, consultada pelo PÚBLICO na página online do INPI.

"Esta lei tem andado de gaveta em gaveta nos ministérios, inicialmente da Cultura, depois da Economia e agora está nas mãos das Finanças. O processo vai circulando de ministério em ministério e não há desenvolvimentos, o que é estranho", observa Sílvia Pinto, recordando que a Assembleia da República aprovou, em 2002, a criação de um Centro para a Promoção e Valorização do Tapete de Arraiolos que "seria a entidade certificadora e legítima titular da Denominação de Origem". Decorridos 13 anos, a autarquia reclama pela aplicação da lei que foi aprovada no parlamento, por unanimidade, e que visava a certificação do tapete. Só que, "por falta de regulamentação, continua na gaveta", lamenta Sílvia Pinto.

O processo encontrou a oposição do titular da empresa Secularte, Decorações, Lda, com sede na Rua de Santa Catarina, no Porto, que adquiriu a marca fabricada pela empresa Kalifa, a mais antiga de Arraiolos "e que entrou em insolvência", adiantou a autarca. Apesar dos contactos efectuados para a empresa, recebidos com um "Bom dia! Tapetes de Arraiolos!" dito com a pronúncia do Norte, não foi possível ouvir as explicações do proprietário da Secularte.

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