quarta-feira, 20 de abril de 2016

Portugal produz 55% da carne de porco que consome

Na Bolsa do Porco acerta-se o preço à porta fechada
ANA RUTE SILVA 17/04/2016 - 08:02
Numa altura em que os produtores não conseguem vender os animais a preços que cubram os custos, aumenta a pressão sobre o preço que é decidido todas as semanas pela Bolsa do Porco, no Montijo.

DR

Todas as quintas-feiras às 19 horas há encontro marcado. Repete-se todas as semanas ao lado da praça de touros do Montijo, no Parque Industrial da cidade, num edifício branco e cor-de-rosa. Lá dentro, no rés-do-chão, ainda há vestígios de uma dependência do Banco Espírito Santo decorada com a antiga imagem, de letras douradas sobre um fundo verde-escuro.

Sobe-se a escadaria e entra-se no território da Bolsa do Porco – Associação, legalmente constituída há 22 anos. Não há ecrãs com cotações sempre a passar, apenas secretárias de madeira escura e salas de reuniões onde se juntam os representantes dos produtores de porcos, comerciantes e industriais do sector, desde os matadouros às fábricas que produzem enchidos. Não há compra e venda de acções, não há índices, nem empresas cotadas. Nesta bolsa discute-se o preço de referência do quilo do porco (morto) para a semana seguinte.

O valor que sai todas as semanas é seguido de perto pelos suinicultores que, por estes dias, se debatem com dificuldades em vender os animais a um preço capaz de suportar todos os custos. O embargo russo aos produtos alimentares produzidos na União Europeia, uma retaliação de Moscovo às sanções impostas pela UE na sequência da operação militar na Crimeia, já se arrasta há quase dois anos. E Portugal, que não exportava carne de porco para a Rússia e nem sequer produz o suficiente para se abastecer (cobre apenas 55% das suas necessidades) sofreu indirectamente com o excesso de produtos no mercado europeu. A concorrência dos grandes produtores, como Espanha, está a ser difícil de ultrapassar. E os consumidores tardam em preferir carne portuguesa quando vão às compras.

Nas paredes da Bolsa do Porco há fotografias antigas, de grupos de homens sentados à volta de uma mesa. A placa que assinala a data de inauguração, a 30 de Janeiro de 1992, tem gravado o nome de Arlindo Cunha, ministro da Agricultura de Cavaco Silva (e actual presidente da comissão vitivinícola da Região do Dão) que em 1993 decidiu fechar as importações de suínos da UE, justificada na altura por uma "medida de controlo sanitário", como citava o Expresso. Bruxelas tinha também proibido as exportações de porcos portugueses devido à peste suína. Nessa altura, como agora, os preços eram um problema. Tal como a capacidade dos produtores de concorrer no mercado externo.

Mas a história da Bolsa começou na rua. "As pessoas juntavam-se no Montijo informalmente e faziam uma espécie de bolsa. Na prática eram vendas. Os produtores iam vender os seus porcos a intermediários que definiam ali mesmo o preço e o principal era o José Inácio", conta Nuno Correia, presidente da Associação da Bolsa do Porco. Era o preço de rua, passado de boca em boca, que guiava a decisões de compra e venda.

A entrada de Portugal na União Europeia trouxe novas exigências: era preciso ter um valor de referência mais real, que indicasse a evolução do mercado. "Começou então a falar-se na possibilidade de criar uma bolsa, à semelhança do que se fazia noutros países da Europa, como Espanha. Esta não é uma bolsa de transacções. É uma bolsa de preço indicativo dos animais", sustenta.

As associações que representavam o sector foram chamadas a participar e começaram a trabalhar em conjunto com o Ministério da Agricultura, que destacou um técnico e um administrativo para assegurar o funcionamento do novo organismo (recursos que, mais tarde, deixaram de existir). Na lista de fundadores estão a Associação Livre de Suinicultores (ALIS) e a Associação Portuguesa de Suinicultura (APS) – entretanto fundidas na ALISP, Associação Livre de Suinicultores Portugueses -, a Associação Nacional de Comerciantes de Suínos (ACS), a Associação Portuguesa dos Industriais de Carne (APIC) e a Associação dos Produtores Agrícolas da Região de Rio Maior (APARRM). Todas se mantêm como membros da mesa de cotações.

Cada associação designa um representante. "Normalmente tenta-se que tenham representatividade no mercado pela sua dimensão ou, não tendo, que sejam respeitados pela sua experiência e conhecimento", detalha Nuno Correia, dando como exemplo António Gameiro, que produz carne com a sua própria marca, a Ti António.

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