quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Gigante dos frutos vermelhos aposta em Portugal

16.09.2017

A água pura e o clima ameno do Sudoeste Alentejano cativaram a maior produtora mundial de frutos vermelhos, que há 10 anos assentou plantações em Portugal. O negócio continua a crescer: prevêem facturar 49,5 milhões em 2021
 

Sete hectares de framboesa e 30 de morango. Tudo começou em ponto pequeno, em 2006. Nessa altura havia pouca mão-de-obra e o meio era pequeno, a concorrência praticamente não existia: havia alguém que alugava tractores, outra pessoa que se especializava na irrigação, pouco mais. "No início foi tudo difícil: era outra cultura, outra língua, outras leis", explica Eduardo Lopez, o americano, descendente de mexicanos, que foi destacado para liderar a propriedade da Zambujeira do Mar. Mudou-se da Califórnia para a pequena localidade portuguesa: a estadia, que era suposto durar dois anos, prolongou-se por 11. Pelo meio, a Maravilha Farms passou de 810 toneladas de produção (no ano de arranque, em 2007) a 2.750 toneladas de framboesas, mirtilos e amoras colhidos em 2016. 

"Cerca de 50% das framboesas consumidas na Europa são produzidas em Portugal. Dessas, 25% são da Maravilha Farms", adianta Luís Pinheiro, novo director-geral da empresa que pertence ao gigante norte -americano Reiter Affiliated Companies, o maior produtor de frutos vermelhos do mundo. Neste momento, Portugal representa 2% do grupo: "É o momento de investir para nos tornarmos uma área de referência." Na próxima segunda-feira, dia 15, apresentam a estratégia para o negócio até 2021, com a presença confirmada do primeiro-ministro António Costa e do ministro da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, Luís Capoulas Santos. O objectivo é atingir os 49,5 milhões de euros em facturação – meta que a própria expansão dos terrenos deve acompanhar. Ou seja: os cerca de 150 hectares que hoje ocupam (cerca de 100 nas quintas do Brejão e da Bica, na Zambujeira do Mar, e o resto em Tavira) devem crescer para 300. 

Também porque os pequenos frutos se vêem cada vez mais nos supermercados. Vão acompanhando uma tendência: a alimentação saudável. Têm muitas vitaminas, minerais e antioxidantes. Mas o consumo dos portugueses ainda não está ao nível do de outros países da Europa. Aliás: basta lembrar que cerca de 99% dos frutos produzidos na Maravilha Farms têm como destino o exterior. Reino Unido e Irlanda vêm em primeiro na lista de principais consumidores, seguidos por Alemanha e Países Nórdicos. 

Pouco calor, boa água 

A framboesa, que em 2015 ultrapassou a pêra-rocha nas exportações nacionais – 90,6 milhões de euros contra 86,5 milhões do fruto -ícone português –, representa 90% da produção. É sensível e exigente. À semelhança de outros frutos vermelhos, não aguenta bem a chuva nem o vento e é por isso que o Sudoeste Alentejano se assume, cada vez mais, como uma região única para a produção. "Aqui não há nem demasiado calor nem demasiado frio. Raramente há geadas e, no Verão, as temperaturas são amenas", observa Luís Pinheiro. As condições permitem a produção de hortícolas e frutícolas o ano inteiro. Mas há mais, como a água utilizada, que vem do rio Mira, da Barragem de Santa Clara: "É de qualidade, praticamente pura. O pH é o correcto e quase não tem presença de matéria orgânica." 

Luís Pinheiro é formado em Engenharia Informática e entrou no meio quando, em 2005, ajudou a desenvolver uma aplicação para a Driscoll's (dona da gigante Reiter, a sua principal produtora). Nos últimos tempos trabalhou de perto com Eduardo Lopez e agora vai tomar -lhe o lugar – o americano que nos últimos anos liderou o negócio em Portugal e, mais recentemente, em Marrocos, vai voltar ao México, para ali fazer crescer as plantações. 
Quando Eduardo chegou à Zambujeira tinha 26 anos e era a primeira vez que pisava Portugal. Estava pronto: já desde miúdo que acompanhava as colheitas de frutos, com o pai e o avô, ambos produtores. O avô trabalhava, aliás, com a famosa família Reiter, cuja história recua a 1870. O ano em que, em Pajaro Valley (Califórnia), a dupla Joseph "Ed" Reiter e Dick Driscoll começou a plantar morangos. São eles os fundadores deste império de frutos vermelhos – juntos fundaram a Driscoll's, que actualmente tem um volume de negócios de 2,8 mil milhões de euros. 

Alentejo igual à Califórnia 

Na família, o negócio foi sempre pas- sando de pais para filhos: desde pequenos que os miúdos ajudam a vender, em bancas, ou ficam com pequenas parcelas de terreno para aprender o processo de cultivo – também se juntam à colheita. Garland e Miles – netos de Joseph "Ed" Reiter – não foram excepção. Mas acabaram por tomar as rédeas da empresa por força das circunstâncias: mal tinham terminado o curso quando os pais morreram num acidente de avião, em 1977. Miles ficou responsável pela costa central e Garland pelo Sul da Califórnia: o objectivo dos irmãos era levar a empresa mais longe e por isso decidiram apostar noutros frutos – como a framboesa. 

Cresceram dentro dos Estados Unidos mas também fora e, nessa altura, começaram a sondar os países europeus que teriam potencial para produzir os frutos: Holanda, Reino Unido, Espanha… e Portugal. O Sudoeste Alentejano destacou-se desde logo: tinha condições únicas, muito semelhantes às da Califórnia. Desde então os irmãos Garland e Miles continuam a visitar Portugal pelo menos duas vezes por ano. 

A paisagem é pontuada pelas filas de tendas brancas. É lá dentro que os trabalhadores circulam – alguns a colher, outros já com os carrinhos de ferro (chamam-lhe burros), estrutura onde colocam os frutos em caixas de plástico. Antes de as fecharem, pesam-nas: cada uma deve ter cerca de 165 gramas. Dali seguem para a bancada principal, onde são verificadas pelos supervisores. No caso dos mirtilos, não devem ter uma ponta verde (significa que ainda não estão maduros) e nas framboesas, a cor de dentro deve ser bem rosa – se a tonalidade se aproximar do laranja, não passa. "Cor de cenoura não pode ser", diz -nos a ucraniana Yana, de 36 anos. As mãos que antes serviram mesas e pentearam cabelos, agora dominam a arte de colher framboesas. 

Por aqui há mais de 20 nacionalidades: de indianos a moldavos, brasileiros, russos e ingleses. As nacionalidades búlgara, tailandesa e a nepalesa são as predominantes nos campos onde se ouvem palavras de português mas também tailandês, inglês ou russo. Os portugueses representam apenas 15% da equipa nos campos (com maior predominância em Tavira, que tem maior densidade populacional). Mas o panorama completo conta outra história: "Quando integramos a equipa agronómica, de recursos humanos, financeira, administrativa e de apoio à operação a nacionalidade portuguesa é a mais representativa", diz Luís Pinheiro. 

Muitas razões podem justificar a distribuição: se, por um lado, a agricultura ainda não é uma actividade preferencial, por outro os trabalhos braçais ainda são vistos com preconceito. "É preciso mostrar que não se está a limitar a evolução na carreira", explica o director-geral. Na Maravilha Farms, muitos supervisores começaram a colher fruta. 

Moscas, lagartas e fibra de coco 

Voltamos ao campo. Na extremidade de cada túnel (é assim que chamam aos corredores de plantação de fruto) fica pendurado um garrafão de água, com furos muito pequenos, que tem um fundo com líquido branco: é uma solução de fermento, vinagre e açúcar e serve para atrair as minúsculas moscas da fruta. Estas e outras alternativas mais rudimentares evitam tratamentos agressivos, com químicos. Mais: a Driscoll's produz frutos livres de OGM (organismos geneticamente modificados). 

A atenção dedicada a cada túnel é fundamental: hoje vemos correr pelo campo uma das agrónomas. Veio recolher uma lagarta encontrada nas estufas dos mirtilos. "É sempre assim, se encontramos alguma coisa mostramos", explica Nadya da Silva, 51 anos, supervisora. A viver em Vila Nova de Milfontes, já trabalha na empresa há quase uma década. Búlgara, veio para Portugal para encontrar melhores oportunidades – lá ganhava cerca de €100 por mês. O novo país deu-lhe conforto financeiro e não só: foi há dois anos que se casou com um português (daí o apelido). As histórias são muitas. Como a do veterinário Mykhaylo Lakommy, ucraniano, 44 anos, que nos explica que as plantas precisam de fibra de coco para agarrar a água. É supervisor da não colheita, o que quer dizer que trata de toda a manutenção dos campos e das plantações. 

Em período de campanha (ou de colheita), que acontece entre Maio e Outubro, na Zambujeira, e entre Fevereiro e Maio, em Tavira, os trabalhadores chegam a beber 2.500 litros de água por dia. Apanham entre quatro e seis quilos de frutos por hora e recebem bónus de colheita de acordo com a produtividade – um trabalhador médio recebe €15 por dia, um bom trabalhador chega aos €22. Trabalham cerca de nove horas por dia, seis dias por semana. Ao fim do dia regressam a casa em localidades como São Teotónio e Vila Nova de Milfontes. São tantas as nacionalidades, que a empresa está a planear um dicionário com vocabulário técnico – para evitar que o cultivo fique perdido na tradução. 

1 comentário:

cila disse...

Como é que um gigante americano, que fatura milhoes paga 22€/dia a um bom trabalhador. Isto é mesmo uma vergonha!

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