sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Os 9 dias e as 3 polémicas que levaram à queda do ex-comandante da Proteção Civil


14/9/2017, 

As decisões que tomou nos incêndios em Mação, a licenciatura que concluiu por equivalências e as funções públicas que acumulou. Esta são as razões que levaram à queda de Rui Esteves.


O (agora antigo) comandante da Autoridade Nacional da Proteção Civil (Conac), Rui Esteves, demitiu-se esta quinta-feira. A demissão — pedida pelo próprio e já aceite pela tutela — foi o culminar de uma semana de polémicas que se abateram sobre Rui Esteves. No período de nove dias, o ex-comandante viu serem questionadas as decisões que tomou sobre o incêndio de Pedrogão Grande, a licenciatura que tirou e os cargos públicos que acumulava.

6 de setembro: o comandante das más decisões nos incêndios

A primeira polémica em que Rui Esteves se viu envolvido tem, na verdade, origem em julho e em agosto ou, por outras palavras, nos incêndios da Sertã e de Mação. Em Julho, um incêndio que deflagrou na Sertã rapidamente se alastrou para Mação, onde 18 mil hectares de floresta foram consumidos pelas chamas. Dois meses depois, Mação voltou a ser atingido novamente por um incêndio florestal que desta vez queimou quase 13 mil hectares.

As decisões tomadas nestes dois incêndios foram da responsabilidade do comandante da Autoridade Nacional da Proteção Civil, Rui Esteves. E foram contestadas. Vasco Estrela, presidente da Câmara de Mação, e o deputado Duarte Marques (PSD e natural de Mação), responsabilizam a ação de Rui Esteves pela "perda de controlo da situação em ambos os incêndios".

E especificam os erros que acreditam ter sido cometidos. No incêndio de julho, é a decisão de Rui Esteves em desviar meios e equipas de Grupos de Intervenção Permanente da GNR para outros concelhos que é posta em causa. No incêndio de agosto, os dois políticos questionam o número de aeronaves e de bombeiros mobilizados para Mação.



O deputado do PSD enviou um requerimento ao Ministério da Administração Interna (MAI), onde pedia à ministra Constança Urbano de Sousa — que já tinha admitido que houve "descoordenação" ao nível do comando — que "tome a iniciativa de pedir uma investigação à ação direta do Conac Rui Esteves, em pelo menos, estas duas ocorrências".

Vou aguardar pelas respostas da ministra e, depois de ter as respostas na mão, irei preparar uma queixa à Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), para que se apure o que se passou e se apurem as responsabilidades do responsável máximo pela coordenação dos meios, o comandante nacional", admitiu na altura o deputado Duarte Marques em declarações ao Público, que avançou com a notícia.
Relativamente ao incêndio de julho, o edil Vasco Estrela, pediu ao MAI para lhe enviar o relatório da Proteção Civil, num prazo de uma semana. Caso não acontecesse, o autarca iria fazer uma queixa à IGAI.

Aconteceu: o relatório foi divulgado esta quarta-feira — exatamente uma semana depois do pedido feito por Vasco Estrela. O autarca considerou o relatório "insatisfatório" e manifestou a sua intenção de avançar com uma participação à IGAI. O documento justifica as dificuldades do combate às chamas com a dispersão de meios por outras ocorrências na região, com a intensidade do fogo "quase sempre acima da capacidade de extinção dos meios envolvidos" e um quadro meteorológico "extremamente agressivo".

8 de setembro: o comandante que acumula funções públicas

Dois dias e um pedido de investigação depois, Rui Esteves volta a ser o centro de uma nova polémica. Desta vez, relacionada com a eventual acumulação de funções públicas.

O comandante operacional nacional da Autoridade Nacional de Proteção Civil era também diretor do aeródromo de Castelo Branco. Um dirigente público só pode acumular funções se tiver autorização superior. Mas esta não lhe foi dada, estando por isso a cometer uma ilegalidade.

Rui Esteves negou a acumulação de funções à RTP, que avançou com a notícia, e disse que pediu para ser substituído quando se tornou comandante operacional nacional da Autoridade Nacional de Proteção Civil. O pedido terá sido feito verbalmente ao presidente da Câmara de Castelo Branco, que gere o aeródromo. Daí que a substituição nunca tenha sido feita. O autarca, contactado pela RTP, justifica-se com o facto do pedido nunca ter sido formalizado por escrito.

Por sua vez, Autoridade Nacional de Aviação Civil revelou que recebeu um pedido para substituir Rui Esteves mas só depois da RTP ter contactado o presidente da Câmara de Castelo Branco a perguntar quem era o diretor do aeródromo.



A ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, ordenou à Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) a abertura de um processo disciplinar com "caráter de urgência". Também a ministra (tal como Vasco Estrela) impôs um prazo. A IGAI deve remeter a Constança Urbano de Sousa as conclusões do relatório, num prazo máximo de 30 dias. Isto é, até dia 8 de outubro.

14 de setembro: o comandante sem licenciatura

Não há duas sem três. Enquanto se esperava pelos desenvolvimentos da participação de Vasco Estrela à IGAI e pelo término do prazo estabelecido por Constança Urbano de Sousa para a divulgação das conclusões do relatório do processo disciplinar à acumulação de funções, surge uma nova polémica relacionada com Rui Esteves.

O agora ex-comandante Rui Esteves licenciou-se em Proteção Civil pela Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Castelo Branco. O problema é que, em 36 unidades curriculares que constituem a licenciatura, Rui Esteves teve equivalência em 32 delas, atribuídas com base em experiência profissional e cursos de formação, avançou o jornal Público. Isto significa que o ex-comandante nacional da Proteção Civil só frequentou quatro cadeiras.



Rui Esteves terá adquirido essa experiência profissional quando assumiu o cargo de comandante distrital em Castelo Branco em 2005 — um ano antes de iniciar a licenciatura. O ex-comandante explicou que a Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Castelo Branco lhe atribuiu os créditos "em conformidade com a lei vigente". O ex-comandante foi ainda professor no instituto onde tirou na licenciatura por equivalências e, ainda, na pós-graduação em Incêndios Florestais.

O ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, tomou hoje [quinta-feira] conhecimento deste assunto pelo presidente do Instituto Politécnico de Castelo Branco, que informou o ministro que tinha enviado o assunto para a Inspeção Geral da Educação e Ciência", refere um esclarecimento enviado à Lusa pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
Será assim o segundo processo em investigação numa organismo governamental relacionado com Rui Esteves.

Ao fim de nove dias de polémicas, Esteves não resistiu à pressão e pediu a demissão do cargo de comandante nacional da Proteção Civil.

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