sábado, 28 de outubro de 2017

Futuro do glifosato em suspenso com votação adiada

A proposta da Comissão Europeia para renovação da licença de utilização do herbicida por mais dez anos não chegou a ir a votos esta quarta-feira. Será marcada nova data.

RAQUEL DIAS DA SILVA 25 de Outubro de 2017, 12:52 actualizado a 25 de Outubro de 2017, 14:44 Partilhar notícia

Estava marcada para esta quarta-feira, 25 de Outubro, a votação da proposta da Comissão Europeia (CE) para a renovação da licença de uso do glifosato por mais dez anos no espaço europeu. Mas, perante uma forte probabilidade de chumbo pelos Estados-membros, a votação foi suspensa, para que seja elaborada uma nova proposta.

Para que se possa alcançar o consenso necessário, a França – que votou contra a renovação da licença – está preparada para aceitar um prolongamento de quatros anos para o uso do polémico herbicida. "A França estava a favor de uma extensão mais limitada de três anos, mas poderia contentar-se com uma proposta da Comissão Europeia de quatro anos", disse Christophe Castaner, porta-voz do Governo francês, citado pela agência Reuters.

Glifosato volta à berlinda na União Europeia e vai a votos

Na sequência da entrega em Julho deste ano de uma Iniciativa de Cidadania Europeia (ICE), o Parlamento Europeu aprovou nesta última terça-feira uma resolução que pede à Comissão Europeia para adoptar medidas para que o glifosato seja banido da Europa até 2022. A ICE, que começou como uma petição da organização ambientalista Greenpeace, pretende proibir os herbicidas à base de glifosato. Entre outros objectivos, a petição também quer "assegurar que a avaliação científica dos pesticidas para aprovação regulamentar pela UE se baseia apenas em estudos publicados que tenham sido encomendados pelas autoridades estatais competentes, e não pela indústria dos pesticidas".

Tendo em conta a avaliação de risco feita pelo Parlamento Europeu – que defendeu igualmente a proibição de quaisquer utilizações de glifosato em parques públicos, parques infantis e jardins públicos, ou nas suas imediações, após 15 de Dezembro, segundo noticiou a agência Lusa –, a CE anunciou que o objectivo da votação desta quarta-feira seria "atingir entre cinco a sete anos" de renovação da licença, em vez dos dez inicialmente propostos. Mas, antes de a votação decorrer, procedeu-se a uma consulta informal para perceber junto dos Estados-membros qual seria o seu sentido de voto.

No comité de peritos, para que uma proposta da Comissão Europeia seja aprovada ou rejeitada, é necessária uma maioria qualificada de 55% dos Estados-membros, que representem 65% da população da União Europeia. Portugal está representado no comité por um técnico da Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária e, segundo o site Politico, esteve ao lado da Alemanha sobre o uso do glifosato, com os dois países a absterem-se.


Agência europeia diz que glifosato não é cancerígeno. Quercus contesta

Agora a CE prepara-se para apresentar uma nova proposta, tendo a votação sido adiada, à semelhança do que aconteceu o ano passado por falta de consenso. Perante este novo adiamento, de acordo com a Lusa, a CE irá reflectir sobre os argumentos apresentados pelos Estados-membros e agendar em breve a próxima reunião.

Texto editado por Teresa Firmino

Deputados continuam às turras por causa de adiamentos de diplomas da floresta

Discussão e votação de diplomas sobre as entidades de gestão florestal e os respectivos benefícios fiscais foram adiadas a pedido do PS. Amanhã há nova tentativa.
 Maria Lopes

MARIA LOPES 25 de Outubro de 2017, 19:39 Partilhar notícia

Houve mais um adiamento no já longo processo legislativo dos diplomas sobre a floresta: o PS pediu esta quarta-feira o adiamento da discussão e votação dos diplomas sobre a criação das zonas de intervenção florestal (ZIF), das entidades de gestão florestal (EGF) e dos seus benefícios fiscais. Os dois últimos – uma apreciação parlamentar pedida pelo Bloco, e uma proposta do Governo - deverão ser debatidos esta quinta-feira ao fim da tarde, depois de uma audição do ministro da Agricultura; o primeiro, que é uma apreciação parlamentar pedida pelo PSD, ficou sem data marcada, o que significa que passará para Dezembro, depois de todo o processo do OE2018.

Foi ainda adiada, a pedido do PCP, a redacção final do diploma sobre os apoios e as indemnizações às populações afectadas pelos incêndios de Pedrógão Grande e dos outros dez concelhos atingidos pelos incêndios de Junho. Deverá agora ser feita na próxima sexta-feira antes do plenário.

A dificuldade não está apenas no adiamento por um dia de dois diplomas, mas sim no ambiente que está criado entre os partidos na comissão de Agricultura em relação à reforma florestal.

A questão motivou ataques cruzados entre os deputados da direita e da esquerda. O social-democrata Maurício Marques insurgiu-se contra estas "propostas dilatórias para adiar sucessivamente estas matérias", disse que "não é o PSD que está contra a reforma", como o ministro Capoulas Santos acusa, mas que são os "partidos que suportam o Governo" não discutem nem votam as matérias.

João Ramos, do PCP, tentou acalmar as hostes lembrando que os deputados devem "aprender com o passado e ter ponderação" e não repetir o que fizeram em Julho, de "criar leis à pressa que não iam resolver o problema só por serem aprovadas". O comunista argumentou que o PSD apresentou tantas propostas de alteração às ZIF do Governo que "é quase um regime novo" e que o texto dos sociais-democratas chegou na terça-feira à noite. Os outros deputados à esquerda e até o CDS disseram que a proposta do PSD tem tamanha "dimensão, complexidade e profundidade" que não tinha sido possível estudá-la.

O bloquista João Ramos atacou a "incongruência" do PSD por falar em manobras dilatórias ao mesmo tempo que quer que os outros partidos discutam e votem um documento do dia anterior. Maurício Marques replicou que não estava a queixar-se do seu diploma mas dos do Governo e do pedido de apreciação do Bloco que são conhecidos há meses e acusou os bloquistas de já terem um acordo com o Executivo sobre a matéria.

A proposta de lei do Governo sobre os benefícios fiscais já veio adiada desde Julho, na altura a pedido do Bloco, quando foi discutida a maior parte dos diplomas da reforma da floresta, porque os bloquistas pediram na altura a apreciação parlamentar do regime das entidades de gestão florestal.

"Andamos aqui a brincar aos adiamentos", criticou a centrista Patrícia Fonseca, que falou dos novos prazos apertados para aprovar a legislação sobre as EGF e os benefícios fiscais no plenário de sexta-feira de manhã, o último antes do processo orçamental. A deputada garantiu que se tudo votar a ser adiado amanhã, o CDS irá incluir nas suas propostas de alteração ao OE2018 os benefícios fiscais para a exploração florestal.


Javalis à solta nas cidades são ameaça para a saúde pública



Populações de javalis estão a aumentar  |  FERNANDO FONTES / GLOBAL IMAGENS
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Direção Geral de Alimentação e Veterinária revela que 7% dos javalis abatidos entre 2011 e 2016 eram portadores da doença

As populações de javalis estão a aumentar todos os dias em várias zonas do país, aproximando-se de cidades, vilas e aldeias à procura de comida e água, mas as autoridades alertam que representam uma séria ameaça para a saúde pública. São portadores de tuberculose e estão a pôr a vida humana em "risco", segundo alerta Eduardo Correia, do Sindicato de Médicos Veterinários (SMV), enquanto a Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) revela que 7% dos javalis abatidos nos últimos cinco anos de caça eram portadores da doença.

Os dados oficiais da DGAV - só em percentagem, pois não revelou o número de animais - sublinham a gravidade do problema. Entre 2011 e 2016 foram notificados aos serviços casos positivos de carcaças contagiadas com tuberculose em 28% das jornadas de caça na região Centro e 12% no Alentejo, após as respetivas confirmações laboratoriais.

José Manuel Batista, dirigente do Movimento Caçadores Mais Caça, relata ao DN que deixou de comer carne de javali há três anos, quando uma carcaça de um animal abatido numa montaria já revelava contágio de tuberculose. "O problema é que nessa montaria a tuberculose deu positivo porque havia um veterinário que analisou o animal, mas grande parte de outras montarias e batidas não têm médico", alerta, admitindo que muita carne esteja a chegar ao consumidor "sem ser sujeita à despistagem da doença", porque, segundo denuncia após vários contactos com as autoridades de saúde, "o país não tem veterinários em número suficiente".

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E o sindicato dos veterinários confirma. Eduardo Correia revela que o contágio de tuberculose de que são alvo javalis e veados já foi tema de conversa com a DGAV, para se tentar encontrar uma solução que permita garantir inspeção a todos os animais abatidos, mas ainda não há resposta. "É um problema de saúde pública e temos que saber como devemos estar organizados, mas receio que não estejamos a fazer um bom trabalho, sobretudo na raia", admite, apoiando Jorge Cid, bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários, que, citado pela Vida Rural, defendeu recentemente a criação de um corpo nacional de inspetores e a aprovação da carreira de inspetores sanitários para que todas as espécies de consumo público fossem analisadas.

O bastonário considerou "um problema grave de incidência de tuberculose nos veados e javalis", alertando que já existem casos de transmissão da doença a espécies pecuárias, existindo riscos para as pessoas, pelo que o sindicalista Eduardo Correia diz ser chegada a hora do Estado "formar mais gente. Não basta dizer que não há e deixar as pessoas ao risco. Este problema é muito sério para ser tratado assim".

A DGAV avança que não existe obrigatoriedade das montarias serem acompanhadas por um médico veterinário. A legislação em vigor na União Europeia obriga apenas a que pelo menos uma pessoa de um grupo de caçadores, designada "pessoa devidamente formada", tenha os conhecimentos de doenças de espécies cinegéticas "e seja capaz de reconhecer os problemas de saúde dos animais caçados. Esta pessoa pode ser um caçador ou o gestor de caça, acrescentando ainda este organismo que desde 2010, têm sido organizados e ministrados cursos de formação para habilitar essa "pessoa formada".

Ainda assim, diz a DGAV, na zona raiana entre Idanha-a-Nova e Barrancos, desde 2011 tem vindo a ser aplicado um plano especial de controlo da tuberculose em caça maior (javalis, veados, gamos, corços), confirmando que "foi concebido precisamente para evitar a propagação da tuberculose na zona geográfica identificada como de maior risco para transmissão da doença.

A tutela alerta ainda para o chamado Plano de Controlo e Erradicação da Tuberculose que está em aplicação desde 2011. Consiste na programação das montarias, sendo designado um médico veterinário oficial (da DGAV ou das autarquias) para observar os órgãos e as carcaças dos animais abatidos, procedendo ao exame das peças capturadas e à colheita de amostras para diversas doenças, como tuberculose, brucelose ou peste suína.

Jacinto Amaro, presidente da Fencaça (Federação Nacional de Caçadores), que tem vindo a acompanhar a evolução do fenómeno junto das autoridades, refere que é na linha de fronteira com Espanha, na larga extensão entre Idanha a Nova e Moura, que reside o maior risco epidemiológico. "Tanto em javalis como em veados e pode chegar aos animais domésticos como já acontece na Estremadura espanhola", refere, justificando que a doença existe em maior escala na região de Cáceres, na serra de São Pedro, tendo cruzado a raia nos últimos anos.

"Os animais selvagens movimentam-se sem controlo à procura de comida e chegaram cá. Na Estremadura espanhola - que faz fronteira com o Alentejo - aproximaram-se de bovinos e caprinos, que também começaram a aparecer doentes. É outro risco que corremos em Portugal", diz o dirigente.

"Procuram alimento e é no Alentejo e Ribatejo que conseguem encontrar pivôs de milho que têm a comida, água e a cobertura ideal que para eles", diz, alertando ainda para os acidentes que têm vindo a provocar nas estradas, sobretudo nas vias de Coruche, Arraiolos, Montemor-o-Novo e Vendas Novas. "É rara a semana que não temos notícia de mais um carro que embateu num javali", conta.

600 abatidos na Arrábida

Os 600 javalis que anualmente têm sido abatidos na serra da Arrábida, segundo dados oficiais avançados pelo Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), pelos donos dos terrenos onde os animais procuram comida, atestam o boom que a espécie alcançou nesta região. Por aqui proliferou nos últimos sete anos entre os concelhos de Setúbal, Palmela e Sesimbra, tendo este verão sido vistos alguns animais na praia da Fonte da Telha, já no concelho de Almada.

Mas mas nem as chamadas "correções de densidades" levadas a cabo pelos proprietários e as associações de proprietários têm logrado travar o avanço da espécie na Arrábida, onde já é adjetivada de "praga". Este ano, o calor levou vários exemplares a refrescarem-se na praia de Galapinhos, indiferentes às dezenas de banhistas, enquanto em setembro dois javalis aproveitaram a calada da noite para tomarem de assalto o restaurante do Clube Naval Setubalense (Âncora Azul), deixando o estabelecimento parcialmente destruído.

Contactadas pelo DN, as câmaras de Setúbal e Sesimbra preferiram não comentar o assunto, alegando não ser da sua competência, mas o presidente da Clube da Arrábida, Pedro Vieira, reclama "mão pesada" ao ICNF no combate à invasão destes suínos selvagens, "antes que haja más notícias, com ataques a pessoas, por exemplo", diz. O dirigente, recorda que as batidas promovidas pelas autoridades e caçadores para correção de densidades, há dois anos, não resultaram, tal como viria a acontecer em 2016 com as capturas de animais vivos, com recurso a capturadores.

"É preciso investir noutras modalidades, como a espera noturna", sugere Pedro Vieira, revelando que esta estratégia tem resultado no lado norte da serra com os proprietários que dispõe de licença de uso e porte de arma e a quem o ICNF tem passado as credenciais que os habilitam a disparar sobre os animais que invadem os seus terrenos.

Ninguém sabe explicar ao certo como apareceram os primeiros javalis na serra Arrábida, onde estiveram décadas sem darem sinais de vida, mas recentemente passou a ser cenário recorrente encontrar javalis à procura de comida junto a um contentor do lixo ou até debaixo da mesa da esplanada de um qualquer restaurante no Portinho da Arrábida.


Algumas propostas dos técnicos são "um absurdo"


Domingos Xavier Viegas diz que em 2003 teve pesadelos com o mapa de Portugal arder. "Foi isso que aconteceu a 15 de Outubro". O perito discorda de algumas soluções que podem ser hoje aprovadas pelo Governo.

 Liliana Valente
LILIANA VALENTE 21 de Outubro de 2017, 7:21 Partilhar notícia

Logo a seguir à tragédia de Pedrógão Grande, o primeiro-ministro pediu ao professor Domingos Xavier Viegas, do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais da Universidade de Coimbra, um estudo sobre o comportamento do fogo. A equipa de 14 pessoas foi mais longe e mostrou o que falhou na segurança das pessoas. Em conversa com o PÚBLICO na véspera do Conselho de Ministros que vai decidir que reformas vão ser feitas, o perito em incêndios alerta para soluções "oportunistas" e que parecem "salvadoras", mas não o são. Entra em choque com algumas das recomendações da Comissão Técnica Independente e deixa algumas sugestões para serem seguidas pelas pessoas.

Pode explicar às pessoas o porquê de este fogo ter sido excepcional?
Neste incêndio houve coisas que foram fora do comum, pelo menos para nós que estudamos o comportamento extremo do fogo. Por exemplo a interferência, a interacção entre uma trovoada e um grande incêndio. Este incêndio teve uma particularidade dramática, relativamente grave, que foi a aproximação da trovoada. O que fez? Fez incidir sobre o incêndio correntes descendentes, o tal downburst.

"Verificámos com tristeza que faltou socorro"

Esse fenómeno não era previsível?
Eram previsíveis as condições meteorológicas, não o efeito. Que havia trovoada, sabia-se, que se estava a deslocar também. Penso que não há ainda dentro da estrutura a percepção da gravidade de uma situação destas. Pesquisámos literatura e não encontrámos muitos trabalhos. São muito poucos os casos.

O que aconteceu este fim-de-semana é de uma natureza diferente?
Penso que sim. Se o episódio de Pedrógão já nos tinha causado um grande choque, este agora é de uma dimensão que ainda não recuperei dele. Vamos analisá-lo. Aquilo que se me afigura é que havia uma situação de vento muito forte.

Por causa do furacão Ophelia?
Admito que sim. Vento quente, seco e forte. Em Pedrógão, quando o incêndio começou não havia praticamente vento, manifestou-se com a entrada da trovoada e o vento que o próprio incêndio gerou. Fazendo o paralelo com o 15 de Outubro, esse vento forte fez com que focos de incêndio se propagavam rapidamente e com projecções que se espalhavam por territórios imensos. Fiquei impressionado ao ver as imagens das áreas ardidas que são um pesadelo.


Tivemos duas catástrofes de natureza diferente, há a possibilidade de se repetirem com outras características? 
Diria que sim. Há um elemento que é comum a Pedrógão e a 15 de Outubro que é a seca. Os combustíveis estão extremamente secos. Monitorizamos a humidade dos combustíveis e na quinta ou sexta-feira na Lousã a humidade era de 4%, que é um valor baixíssimo. Correspondem a condições catastróficas. 

Sabia antes do fogo de domingo? Teve interação com as autoridades?
Infelizmente, ultimamente não temos estado a fazer isso. Durante vários anos tínhamos o costume de enviar. 

Deixou de enviar porque não havia um interlocutor do lado de lá?
Por ventura. Nós enviávamos, não me recordo de termos um grande feedback. Partilho que há essa falta de diálogo.

A EDP desafia-o a provar que o incêndio começou por causa de um cabo de alta tensão?
O nosso papel é reportar o que vimos, os dados que temos. E segundo os dados que temos, com fundamentação técnica, estamos convencidos que é esta a causa do incêndio. Ao ponto de provar, não sei a que instância se refere, se é em tribunal, não nos compete a nós, penso eu tirar ilações ou conclusões de responsabilização civil. Mas temos esta conclusão e estamos preparados para defendê-la.

Acabou por alargar o seu relatório, achávamos que seria apenas sobre o comportamento do fogo?
O comportamento do fogo é por assim dizer a nossa especialidade, mas trabalhamos também as áreas da segurança pessoal e a prevenção, protecção das comunidades. Há aspectos do comportamento do fogo que ainda estamos a investigar. 

Quais?
Uma coisa que não é muito conhecida, mas que é um fenómeno que temos vindo a identificar ao longo dos anos que é o encontro de frentes de incêndio. E aqui neste incêndio houve dois, o de Escalos Fundeiros e o de Regadas, que se desenvolveram independentemente, e a certa altura encontraram-se. Quando dois fogos se encontram, geram entre correntes de convecção muitos violentas e muito fortes, dão origem a tornados de fogo e de vento. Localizámos onde se deu esse encontro e onde se desenvolveram esses tornados. 

A existência desse segundo incêndio foi uma novidade. Acredita que se tivesse sido dada importância a esta ocorrência, teria acontecido o que aconteceu?

Admito que as coisas poderiam ter sido diferentes. Se for reconhecida uma nova ocorrência, o comando, de acordo com os procedimentos, precisa de outro ataque inicial.

Mas esse alerta não existiu?
Foi detectada pelos bombeiros. Foi lá um bombeiro para reconhecimento e que disse que estava fora de controlo. Mas não tinham meios para colocar. Se tivesse sido reconhecido como uma nova ocorrência, poderiam ter vindo meios aéreos que estavam a actuar no incêndio ao lado, em Góis, e poderiam ter sido divergidos para lá.

Durante duas horas não houve ataque aéreo, entre as 16h e as 18h. Isso fez toda a diferença?Naturalmente. No incêndio de Escalos, houve dois meios aéreos no início e retiraram-se. Infelizmente esse tempo foi crucial. Nesse período de tempo o incêndio poderia ter sido controlado. Mas também devo reconhecer que estes dois meios não eram suficientes. Seriam necessários mais meios aéreos e terrestres.

Foi uma questão de incompetência do comando, de desconhecimento?Falamos bastante no relatório que temos de ter mais qualificação e uma maior uniformidade na preparação dos quadros de comando. Na fase inicial do incêndio, não houve a percepção da gravidade, embora ela tenha sido reconhecida nas primeiras abordagens. Mas o que não houve foi a capacidade de traduzir isso com veemência para o comando nacional no sentido de serem alocados meios. No incêndio do lado foram pedidos esses meios mais ou menos a essa hora.

E são dois comandos diferentes, um é de Leiria e outro de Coimbra...
E foram alocados dois Canadair para esse incêndio. Ironicamente, esses Canadair quando iam abastecer à barragem do Cabril passavam por cima do incêndio de Escalos. Confrontámos o comando nacional com essa realidade. Se havia ali um incêndio grave porque não agiam lá. 

O que lhe respondeu?
Dizia que não podem andar a saltitar com meios de um lado para o outro. Por outro lado a doutrina é também que se há um incêndio que se está a atacar, tem de se resolver esse, porque senão temos dois grandes incêndios. (...) É preciso dizer que os bombeiros lutaram com uma valentia... tenho um grande respeito por estes homens. Naquela primeira zona entre escalos e o IC8, não houve fuga de pessoas nem vítimas mortais.

Morreram do outro lado...
Já não foi possível chegar com recursos. Não foi só a mudança de direcção do incêndio como também o encontro das duas frentes. 

Era impossível salvar aquelas pessoas?
Era muito difícil. Falando com as pessoas, elas dizem-nos que não havia bombeiros, que não havia água, electricidade, ficou tudo escuro, o incêndio fazia um barulho tremendo, entrou toda a gente em pânico. Apesar disso, houve muitas pessoas que optaram por ficar em casa.

Foi isso que as salvou?
É verdade. Devia ter havido antes de mais um aviso prévio às pessoas dizendo que é mais seguro ficar em casa, do que fugir. A permanência da pessoa em casa é a sua melhor garantia de sobrevivência, porque uma casa não começa a arder de um momento para o outro. 

Diz que tem muitas reservas sobre as opções de evacuações compulsivas. Mas não foi isso que salvou muitas pessoas nos fogos do Verão?
A evacuação resolve o problema da salvaguarda da segurança das pessoas, desde que seja feita com tempo, porque também houve evacuações feitas tardiamente que acabaram por pôr em perigo não só as forças que estão a fazê-lo com as pessoas. A nossa realidade é que as casas são de algum modo resistentes e se há pessoas que têm capacidade psicológica e física para ficar e resistir, essas pessoas devem permanecer, porque uma casa que é abandonada é uma casa que é destruída. 

As reformas necessárias para evitar estas tragédias não foram feitas?
Não podemos só pensar nas entidades e nas instituições. Claro que têm um papel e são responsáveis e têm de olhar para o problema de maneira diferente. Temos de olhar para as pessoas. Se olharmos para a paisagem aqui à volta, as condições estão lá para acontecer exactamente a mesma coisa. E o que estamos a fazer? Aqueles armazéns que há nas casas cheios de lenha, com vegetação à volta. As pessoas viram isto arder em Pedrógão. O que fizeram de Junho até Outubro? Muito pouco.

Houve queimadas...
Por exemplo. Temos de repensar, temos de reestruturar os espaços rurais de uma forma completamente diferente. Como pode haver uma zona industrial que está rodeada de pinheiros à volta, que não tem qualquer defesa?

O que é possível mudar? Que medidas têm de ser implementadas já?
O que tinha de ser feito era falar com as pessoas, dar-lhes indicações. Uma das coisas que publicamos aqui é um folheto de conselhos às pessoas, tem 10 anos ou mais. Disponibilizámos às autoridades e ninguém pega no assunto. As próprias autarquias que deviam fazer a sensibilização das pessoas não se preocupam. 

O Conselho de Ministros vai decidir sobre que caminho tomar...
Tem de se ter muito cuidado e discernimento em distinguir o trigo do joio e não ir atrás de ideias oportunistas, de coisas que podem parecer salvadoras.

Está a falar da ideia de dar mais dinheiro a bombeiros?
Isso é fácil e se calhar é preciso fazer-se, mas não pode ser exclusivamente isso. Qualquer reforma que seja feita não pode excluir as coisas boas que o sistema tem. Neste momento, a nossa protecção civil, apesar de todo o descalabro que houve, é um serviço válido, deu provas ao longo destes anos. Tem de ser melhor estruturado, melhor dotado, melhor qualificado, mas não é coisa para deitar fora.

Concorda com as recomendações da comissão técnica?
A comissão técnica propõe a criação de uma agência para gerir prevenção e combate, inclusive vai ao ponto de recomendar que seja gerida por técnicos florestais. Que haja essa junção e articulação das duas tarefas, parece-me bem. No nosso relatório falamos de um plano de gestão de incêndios florestais que olhe para isto no seu conjunto. Tem de haver alguma estrutura que esteja por cima.

Parece-lhe que aquelas recomendações vão longe demais?
Participei num processo em 2006 e houve uma recomendação de criar-se os bombeiros florestais. Confesso que critiquei muito essa medida e se é isso que está a propor agora, tenho sérias reservas. 

Bombeiros na prevenção e depois no combate?
Proponho que aquilo que já existe seja melhorado. Temos bombeiros que têm experiência no combate a incêndios florestais e que sabem combater incêndios em casas. Temos sapadores florestais que trabalham todo o ano na floresta e podem fazer trabalho de prevenção. O Instituto de Conservação da Natureza e da Floresta (ICNF) devia cuidar mais dessa força, que existe, que é numerosa, mas que não está devidamente treinada e enquadrada. Claro que os bombeiros têm de trabalhar em conjunto com eles, mas não vamos estar aqui a misturar as coisas. Não vamos estar a pôr os bombeiros a fazer limpeza da floresta, quando já temos uma força que faz isso.

Há mais alguma proposta que lhe mereça atenção?
Há uma situação que é um absurdo que é a de ter num incêndio bombeiros que vão combater o fogo na floresta e bombeiros que vão defender as casas. Porquê? Na nossa floresta, há casas por todo o lado. Se um incêndio está a deflagrar e chegar ao pé das casas, vamos fazer o quê? Vamos esperar que cheguem os bombeiros para proteger aquela casa? É absurdo. 

A comissão técnica propõe a separação entre a protecção das pessoas e o combate ao incêndio...
Se é essa a ideia, que já foi apresentada há uns anos, estou completamente em desacordo. Veja-se o caso do dia 15 de Outubro. Alguém podia estar no meio da floresta a atacar o fogo? Da mesma forma que os bombeiros se retiram para proteger as casas, porque têm mais prioridade, também é uma segurança para eles. Vou mais longe: aquilo que temos assistido nos últimos anos da parte do sector florestal, do ICNF é que tem-se alheado completamente deste problema. Tem-se afastado deste problema.

Os presidentes de câmara culpam o ICNF pelo facto de deixar plantar eucalipto por todo o lado. Também acha que o ICNF está a falhar?
Claramente. Mas os próprios presidentes de câmara não fazem o seu trabalho. Há câmaras que não têm plano de defesa da floresta que foi o que aconteceu em Pedrógão Grande e Castanheira de Pêra. Um plano pode ser papel, mas um plano feito com consciência significa que há alguém que sabe dizer onde existe o problema e qual deve ser a solução. E depois, há um problema até legal com o qual fomos confrontados agora. Quando confrontámos a ASCENDI com a falta de gestão das faixas ao longo das estradas, a resposta que eles têm é que diz na lei que essa limpeza é obrigatória nas zonas previstas pelo plano municipal, como esse plano não existia, ninguém os pode obrigar a fazer esse trabalho. Esta é a consequência que a omissão de autarcas pode ter neste processo. E são coisas dessas que se o ICNF tivesse mais pulso, [fariam com] que esses planos fossem de acordo com a lei. E porque não o são? Porque às vezes um autarca quer que seja de determinada maneira por causa de outros interesses.

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Bloco contesta escolha de Costa para liderar reforma do combate aos fogos

Costa nacionaliza o Siresp. E vai ao sector privado recrutar o líder da reforma do combate ao fogo. Deste, o Bloco não gostou. Hoje, a maioria terá que romper a censura. Amanhã, Costa volta ao terreno.

SÃO JOSÉ ALMEIDA, MARIA LOPES e SÓNIA SAPAGE 24 de Outubro de 2017, 6:35 Partilhar 

 Costa enfrenta esta terça-feira uma moção de censuraFoto
Costa enfrenta esta terça-feira uma moção de censura NUNO FERREIRA SANTOS
É uma mão cheia de medidas aprovadas no sábado pelo Conselho de Ministros extraordinário para reestruturar a protecção civil e a prevenção e combate aos incêndios que o primeiro-ministro, António Costa, leva esta terça-feira ao Parlamento como resposta à moção de censura apresentada pelo CDS.

António Costa entrará no hemiciclo de São Bento dando a ideia de que as novas orientações aprovadas estão já em marcha. Para isso, dará posse de manhã a Tiago Martins Oliveira como presidente da estrutura de missão para a instalação do Sistema de Gestão Integrado de Fogos Rurais. Tiago Oliveira é doutorado em gestão de riscos florestais e foi um dos autores do estudo encomendado pelo Estado que, em 2006, já propunha uma reforma do sistema. Na altura, foi rejeitada pelo Governo de José Sócrates em que António Costa era ministro da Administração Interna.

Pela primeira vez, a censura é contra uma tragédia
Pela primeira vez, a censura é contra uma tragédia
Mas Tiago Oliveira é também, desde 2016, responsável da área da Inovação e Desenvolvimento Florestal da The Navigator Company (ex-Portucel). E é por isso que foi com "surpresa e estranheza" que o Bloco recebeu a notícia. "Parece que o Governo não aprendeu mesmo nada" com tudo o que aconteceu nos últimos quatro meses, diz o deputado Pedro Soares ao PÚBLICO.

"É surpreendente que o Governo indique para presidir a uma estrutura e para um lugar que parece ser equivalente a secretário de Estado uma pessoa que, independentemente das suas qualidades técnicas, tenha estado ligado à indústria das celuloses, nomeadamente na Portucel e na Navigator Campany, que tem tanta responsabilidade no caos em que a floresta se encontra", apontou o deputado bloquista, que é também o presidente da comissão parlamentar de Ambiente. Pedro Soares realça a culpa que as celuloses têm na proliferação de eucalipto e na mistura desregrada entre esta espécie e o pinheiro que "tem tido um papel explosivo na falta de controlo dos incêndios".

Para o Bloco, o engenheiro florestal Tiago Martins Oliveira tem a "marca indelével da ligação às celuloses, que não abona nada a favor da independência que se exige a uma Estrutura de Missão". O deputado espera que António Costa "repondere a escolha" e diz que quanto mais se sabe sobre o que aconteceu este Verão "cada vez fica mais claro que há responsabilidades políticas mas também económicas e industriais" sobre o estado a que chegou a floresta. O PÚBLICO contactou o PCP e o PEV que, nesta segunda-feira, não fizeram comentários sobre a nomeação do Governo.

SIRESP nacionalizado

PCP e CDS são os campeões das moções de censura. Passos o mais censurado
Mais acolhedora para a esquerda, no debate desta terça-feira, será a outra decisão do Governo: a entrada do Estado como sócio maioritário do SIRESP, com um a quota de 54%. A notícia foi oficializada já pelo novo ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita: "Estão a decorrer trabalhos que visam a reestruturação da estrutura accionista de modo a que o Estado tenha uma palavra decisiva na gestão da empresa SIRESP SA, que passa por assumir 54% do capital social do SIRESP." Sobre a forma a que obedecerá esta entrada do Estado no SIRESP, o ministro do Planeamento, Pedro Marques, já explicou em que cerca de 40% ela será feira com a conversão em acções dos créditos da Datacomp e da Galilei (ex-BPN). O resto deve ser feito com uma injecção de capital público. O Governo vai negociar esta compra sabendo já que não tem oposição da Altice e da Motorola, disse ao PÚBLICO um membro do Governo.

A incógnita do debate é se o primeiro-ministro vai dar pormenores sobre os ajustamentos que o Governo vai introduzir no Orçamento do Estado para 2018. No Governo há quem desvalorize: o PÚBLICO sabe que já há cálculos e as alterações já estão preparadas, algumas estavam-no já na sequência dos fogos de Pedrógão Grande e antes dos incêndios de há quinze dias. Falta saber o que mais virá (e o que cabe no Orçamento de Centeno).

Na pista dos 750 kms de Marcelo
Depois da moção de censura desta terça-feira, o primeiro-ministro deverá voltar a visitar áreas sinistradas. Logo no dia 17, Costa visitou as vítimas no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e reuniu-se com os presidentes de câmara dos concelhos afectados no distrito de Coimbra e no distrito de Viseu. 

No terreno continuarão quatro ministros, replicando o que aconteceu após a tragédia de Pedrógão Grande: Eduardo Cabrita (agora como Ministro da Administração Interna, antes com ministro Adjunto), Pedro Marques (Planeamento), Vieira da Silva (Segurança Social) e Capoulas Santos (Agricultura).

No domingo, Marcelo Rebelo de Sousa (que fez 750 quilómetros e passou por 14 concelhos) pediu aos deputados que lhe sigam os passos e visitem áreas afectadas pelos incêndios. E não só os deputados de cada círculo. "Deveriam ser delegações mais completas de deputados de outros distritos para a Assembleia da República ficar com a exacta noção, aqui e agora, do que é a situação", disse o Presidente.

Mas os deputados não foram a correr para o terreno porque… já lá estavam. O PCP, por exemplo, teve oito equipas de parlamentares durante o fim-de-semana a visitar as áreas ardidas e a contactar com as populações. O PS lembrou ao PÚBLICO que tem feito um périplo pelas zonas afectadas desde a semana passada e tem registado muitos desses momentos no Facebook do grupo parlamentar.

Da parte do BE também ninguém enfiou a carapuça. "Os deputados do BE estiveram desde o primeiro momento nos territórios afectados pelos incêndios.", disse um responsável do partido ao PÚBLICO. Aveiro, Santarém, Coimbra, Vila Real, Braga, Barcelos, Arouca e Madeira são alguns dos sítios por onde passaram Catarina Martins, Heitor de Sousa e Moisés Ferreira, entre outros. Há visitas agendadas para esta quarta-feira e sábado ao Pinhal de Leiria e a Viseu, respectivamente.

Nesta segunda-feira à tarde, Duarte Marques, do PSD, escreveu na rede social Twitter: "Reunião com o ICNF na Mata Nacional de Leiria. No terreno, não a mando, mas mais como 'habitualmente'". Os parlamentares do PSD estiveram no terreno em modo non-stop – e até nos centros de operações – logo nos incêndios de Pedrógão. Mais recentemente, Passos Coelho esteve em Tondela onde se reuniu com os presidentes de Câmara de Tondela, Vouzela, Oliveira de Frades, Mortágua e Viseu.



Nesta terça-feira, todos eles estarão frente-a-frente, na moção de censura levada a votos pelo CDS.

A exploração laboral na origem do tomate vendido na Europa


Foto: Elaine Casap/Unplash


25 Outubro 2017 às 15:51

Documentos judiciais revelam que produtos feitos à base de tomate, vendidos por duas grandes cadeias de distribuição italianas aos supermercados europeus, têm trabalhos forçados na sua base, na fase do cultivo.

Os documentos, citados pelo britânico "The Guardian" e assinados pela procuradora italiana Paola Guglielmi, fazem parte de uma investigação judicial espoletada pela morte de um trabalhador sazonal, num campo de cultivo de tomate, no sul de Itália.

Segundo a procuradora, as empresas italianas Mutti e Conserve Italia são acusadas de sujeitarem os trabalhadores, a maioria migrantes a trabalhar sazonalmente, a "condições de exploração absoluta".

Segundo o jornal britânico, os gigantes italianos fornecem os principais supermercados britânicos e europeus com tomate em lata, polpa de tomate e outros compostos do fruto.


Como resultado de uma longa investigação - alicerçada em registos telefónicos e numa operação de vigilância aérea levada a cabo pela própria em campos de cultivo na região -, a procuradora conseguiu relacionar a "exploração" dos trabalhadores migrantes sazonais com os gigantes industriais.

A Conserve Italia, que produz tomates enlatados da marca Cirio, vendidos pela multinacional Tesco, afirmou, em comunicado, que exige que todos os seus fornecedores "respeitem" os trabalhadores e o código ético da empresa.

"Sabemos que no sul de Itália, há algumas situações que não estão na nossa linha, mas não conseguimos nem é nossa responsabilidade verificar o que acontece na região. Pedimos aos nossos fornecedores que respeitem os direitos humanos", disse o porta-voz da empresa, que cortou relações com o fornecedor em causa, depois da morte de Muhammed.

A Multi defendeu-se dizendo que sempre esteve comprometida com a "luta contra a exploração laboral" e que vai continuar a estar, em cooperação com fornecedores e concorrentes para evitar acidentes no terreno.

A polémica em torno do caso começou com a morte de Abdullah Muhammed, um imigrante sudanês de 47 anos, que sofreu um ataque cardíaco enquanto trabalhava num campo de cultivo em Nardó, no sudeste de Itália, em julho de 2015. A acusação de homicídio contra o então empregador - também sudanês - baseia-se na premissa de que a vida de Abdullah teria sido salva se este tivesse podido ir ao hospital.

"Neste caso, houve homicídio. O homem não teria morrido se tivesse sido assistido por um médico. A violação das disposições de segurança no trabalho foi flagrante", disse Paola Guglielmi.

A investigação preliminar ao caso está concluída, restando agora a um juiz a tarefa de decidir se este deve ir a julgamento.

Segundo o relato do "The Guardian", no dia em que morreu, Muhammed tinha começado a trabalhar no campo às quatro horas da manhã, onde trabalharia na colheita do tomate até às 17 horas. Fazia-o sete dias por semana, sem interrupções ou pausas para descanso, durante a época para a qual era contratado. O chamado trabalho sazonal era pago com o salário mínimo e não dava direito a acesso a assistência médica.

Aprovada linha de crédito de 5 milhões de euros para armazenamento de madeira ardida


Lusa26 Out, 2017, 14:47 | Economia
O Governo aprovou hoje uma linha de crédito de cinco milhões de euros destinada aos operadores das fileiras silvo industriais que se disponibilizem a armazenar madeira queimada de resinosas nos incêndios de meados deste mês.

Falando após a reunião de Conselho de Ministros (CM) em que o decreto-lei foi aprovado, o ministro da Agricultura, Capoulas Santos, explicou que esta linha de crédito se destina "aos operadores económicos que se disponham a criar parques de madeira ardida".

Contudo, terão de a adquirir "a um preço previamente estabelecido" pelo Governo, acrescentou, sem especificar.

Em causa estão proprietários de "zonas de intervenção florestal, de baldios, ou municípios", entre outros operadores económicos, de acordo com Capoulas Santos.

O governante notou que "esta linha de crédito vem na sequência de uma outra" semelhante, aprovada pelo Governo sem necessitar de aval do CM, no valor de três milhões de euros.

Segundo o Governo, o objetivo de tais medidas é incentivar a rápida retirada da madeira queimada dos povoamentos afetados pelos fogos, de forma a quem estes espaços possam ser recuperados, evitando ainda o aproveitamento económico destas matérias-primas.

O executivo adotou também medidas para a alimentação animal.

Assim, para "todos os agricultores do continente" - os que foram e não foram afetados pelos fogos -, o Governo aprovou uma outra linha de crédito de três milhões de euros para a alimentação animal, anunciou Capoulas Santos, frisando que se pretende também evitar a "penúria de alimentos em virtude da situação de seca".

O responsável pela tutela notou ainda que, "esta semana, o Ministério [da Agricultura] fará a distribuição de 600 toneladas de rações".

As centenas de incêndios que deflagraram no dia 15, o pior dia de fogos do ano, segundo as autoridades, provocaram 45 mortos e cerca de 70 feridos, perto de uma dezena dos quais graves.

Os fogos obrigaram a evacuar localidades, a realojar as populações e a cortar o trânsito em dezenas de estradas, sobretudo nas regiões Norte e Centro.

Esta é a segunda situação mais grave de incêndios com mortos em Portugal, depois de Pedrógão Grande, em junho deste ano, em que um fogo alastrou a outros municípios e provocou, segundo a contabilização oficial, 64 vítimas mortais e mais de 250 feridos. Registou-se ainda a morte de uma mulher que foi atropelada quando fugia deste fogo.

Parlamento aprova diploma que cria benefícios fiscais para entidades de gestão florestal


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A maioria dos artigos do diploma do Governo para criar benefícios fiscais para entidades de gestão florestal foi hoje aprovada na comissão parlamentar de Agricultura, com a introdução de alterações propostas pelo BE, PS, PSD e CDS-PP.

Segundo a proposta de lei do Governo, que "cria benefícios fiscais para entidades de gestão florestal", alterando o Estatuto dos Benefícios Fiscais e o Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado, "a fileira florestal, em todas as suas vertentes, deve contribuir para o desenvolvimento económico do país".

Neste âmbito, o Governo pretende, "por um lado, apoiar o movimento de associação e gestão florestal, aumentando e valorizando os produtos florestais, e, por outro, incentivar as boas práticas silvícolas no âmbito da defesa da floresta contra incêndios, através da criação de benefícios fiscais e emolumentares".

Este diploma faz parte do conjunto de propostas apresentadas pelo atual executivo para a reforma estrutural do setor florestal.


A discussão e a votação da criação de benefícios fiscais para entidades de gestão florestal estavam previstas para julho, mas foram adiadas para a presente sessão legislativa a pedido potestativo do BE e, na quarta-feira, voltaram a ser adiadas para hoje a requerimento do PS.

Em relação ao Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), o diploma propõe a isenção de IRC [Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas] aos rendimentos obtidos no âmbito da gestão de recursos florestais por Entidades de Gestão Florestal (EGF) reconhecidas, a isenção de imposto do selo às aquisições onerosas de prédios rústicos destinados à exploração florestal, a isenção de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, quando os municípios assim o deliberem, entre outros apoios.

Além destes benefícios fiscais, a proposta do Governo defende "uma majoração dos custos suportados com despesas com operações de defesa da floresta contra incêndios, ou com a elaboração de planos de gestão florestal", de forma a incentivar os comportamentos dos proprietários florestais no que respeita à prevenção dos incêndios e à realização de uma gestão florestal sustentável.

Na discussão e aprovação deste diploma, os deputados decidiram ainda que a lei que cria benefícios fiscais para entidades de gestão florestal vai entrar em vigor a partir de janeiro de 2018, por proposta do PS, alterando a ideia do Governo de a lei entrar em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

A par da aprovação desta proposta do executivo, a comissão parlamentar de Agricultura aprovou por maioria, com a abstenção do CDS-PP e o voto contra do PSD, a apreciação parlamentar do BE ao diploma que "estabelece o Regime Jurídico de Reconhecimento das Entidades de Gestão Florestal", com a introdução de alterações apresentadas pelo BE, PCP, CDS-PP, PS e PSD.

A atual reforma da floresta inclui 12 diplomas do Governo, dos quais dez já estão promulgados, um foi rejeitado -- a criação do banco nacional de terras - e falta ser votado em plenário o que foi hoje aprovado.

Os últimos diplomas aprovados para a reforma da floresta a 19 de julho foram a alteração do regime jurídico aplicável às ações de arborização e rearborização, a criação de um sistema de informação cadastral simplificada e a alteração do Sistema de Defesa da Floresta contra Incêndios.

Portugal é o terceiro Estado-membro da UE com melhores resultados na aplicação do PDR


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O ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, Capoulas Santos, afirmou hoje, no parlamento, que Portugal é o terceiro Estado-membro da União Europeia com melhores resultados na aplicação do Plano de Desenvolvimento Rural (PDR).

"Nós temos no PDR uma notação global de 4.174 milhões de euros, até 2020. Temos cerca de três milhões já comprometidos e 1.300 milhões de execução, [desta forma], à nossa frente só temos a Irlanda e a Filândia", referiu.

No que se refere a taxa de compromisso, Capoulas Santos acrescentou que se fixou em 71%, enquanto a taxa de execução financeira se situou em 33%.

Questionado, pela deputada do CDS-PP Patrícia Fonseca sobre "os baixos resultados" da taxa de execução financeira, Capoulas Santos, referiu que apesar de a deputada considerar que a execução "é fraca", Portugal "está no pódio".

No dia 17 de outubro passado, o parlamento aprovou, por unanimidade, o requerimento do Partido Comunista Português (PCP) e do Partido Ecologista Os Verdes (PEV) para a audição do ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, Capoulas Santos.

Xavier Viegas admite: fogos de dia 15 podem ter sido causados por linhas elétricas


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"Eu não sei que reflexão houve, que apuramento de dados há para que sejam tomadas decisões tão profundas sobre esta matéria"

Domingos Xavier Viegas, coordenador do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais, tem estado sob fogo cerrado da EDP, que rejeita as conclusões do relatório sobre os incêndios de Pedrógão - a equipa da Universidade de Coimbra concluiu que os dois principais focos de incêndio, em junho, foram provocados pelo contacto entre linhas de média tensão e árvores que não deviam estar próximas dessas linhas. Agora, em entrevista ao DN e à TSF, Xavier Viegas admite que "no dia 15, com o vendaval que tivemos, pode ter acontecido isso mesmo" em diferentes pontos do país. Este especialista diz compreender que "não é fácil manter estes não sei se centenas se milhares de quilómetros de linhas elétricas por todo o país", mas afirma que devia haver um maior investimento, por parte da EDP, na limpeza e no cuidado das zonas de floresta atravessadas por essas linhas elétricas: "Receio que não tenha sido feito o investimento necessário."

Numa conversa que decorreu no laboratório de aerodinâmica do departamento de engenharia mecânica da Universidade de Coimbra, este académico com mais de 30 anos de experiência no estudo de prevenção e combate aos fogos florestais diz temer agora uma velha característica do poder político - o impulso de legislar sob pressão. Em dia de Conselho de Ministros dedicado à floresta e ao combate aos incêndios florestais, Xavier Viegas confessa um receio. Teme que o executivo não tenha tido tempo suficiente para estudar os diversos relatórios e que esteja a mergulhar pouco preparado em temas sensíveis. É por isso que deixa um alerta: "Fala-se agora em criar um novo sistema. A minha preocupação e o meu apelo aos responsáveis é que tenham cuidado. Que, ao fazerem a reforma, não deitem fora aquilo que é bom, aquilo que é válido e saudável no sistema - naturalmente tem de haver aperfeiçoamentos -, mas que não se vá atrás de ideias originais que possam surgir agora e que até poderão ser oportunistas. Eu tenho muito receio de que haja alguma precipitação." Xavier Viegas clarifica: "O anúncio de que no Conselho de Ministros deste sábado já vão ser tomadas decisões... Eu não sei que reflexão houve, que apuramento de dados há para que sejam tomadas decisões tão profundas sobre esta matéria num espaço de tempo tão curto."

Xavier Viegas recorda o trabalho de campo para o relatório sobre os incêndios de Pedrógão e conta que o que viu apenas serviu para reforçar uma convicção, a de que estamos perante uma longa acumulação de erros e omissões do poder político. "É uma questão sistémica há dezenas de anos. Fui a todos os lugares onde houve perda de vidas. E o que encontrámos? Um país que está à margem do país que é imaginado em Lisboa. Estamos a uma pequena distância do mar e de vias principais e encontramos aldeias que não têm saneamento, casas que não têm água corrente. Como é que pessoas com rendimentos tão baixos e que vivem do que cultivam, como é que é possível esperar que estas pessoas façam o trabalho de limpar as florestas?" Foi esse país real que ardeu em junho e voltou a arder no domingo, deixando feridas profundas, um rasto de destruição de campos, casas e empresas, e uma lista de vítimas que ainda ontem aumentou - 44 mortos nos incêndios de dia 15 e outros 64 em Pedrógão. Este engenheiro mecânico não hesita na palavra. "Há aqui uma falha na governação do país, na distribuição relativa da riqueza. Nós queremos o nosso espaço rural e florestal cuidado. Queremos que tenha pessoas para não ser um matagal, mas temos de lhes dar condições. É um problema transversal a muitos governos."


Quanto às responsabilidades - operacionais e políticas -, Xavier Viegas considera que estão devidamente apontadas no seu relatório, apesar de não haver nomes. "É manifesto que houve falhas devidas a erros humanos, de pessoas que por falta de experiência ou de conhecimento terão tomado decisões menos apropriadas. Mas não vamos ao ponto de apontar nomes." E as demissões? Da ministra e dos comandos da proteção civil. Deveriam ter acontecido mais cedo? Xavier Viegas diz que não. "Achei mau todo este processo, porque demissões a meio de um processo quente, de uma guerra como lhe chamaram, podem causar ainda mais complicação. Esperaria que estas decisões fossem tomadas no final de todo o processo." Não foi o que aconteceu e o processo, mesmo já em final da época de incêndios, "veio criar algumas fragilidades ao sistema".

Com Arsénio Reis

Gabriel Roldão: “O Pinhal de Leiria já está morto há 12 anos”


19 Outubro 20171.751

Marta Leite Ferreira
Voltámos ao Pinhal de Leiria com o homem que em agosto avisou da possibilidade de uma catástrofe. Gabriel Roldão diz que dos quatro milhões que o Pinhal rende, só 6% são gastos ali.

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No dia em que o Pinhal começou a arder, a 15 de outubro, Gabriel Roldão estava em São Pedro de Moel. Do jardim de casa via duas colunas de fumo, mas apurou, numa volta de carro que decidiu dar por aquelas bandas, que a mais próxima estava na Praia de Paredes de Vitória. Não se preocupou. No regresso a casa, na estrada com ligação à Tremelga, viu o início do fogo no Ponto do Facho: "Como já estavam lá bombeiros com água, fui embora para não estorvar. Mas quando virei na primeira à esquerda, que liga a Marinha Grande a São Pedro, estava a começar a arder ali à borda da estrada, a uns 50 ou 70 metros do cruzamento e com um diâmetro de para aí 80 metros", explica ao Observador. Quando chegou a casa, o fumo branco pairava na Mata Nacional e Gabriel Roldão acreditou que os bombeiros estavam a conseguir apagar o fogo. Instantes depois "já havia fumo preto, já o fogo ia na casa do diabo". Gabriel Roldão via perante os seus olhos aquilo que disse que viria a acontecer: o Pinhal de Leiria estava a morrer.

Veja aqui um vídeo feito por José Faustino que mostra o que aconteceu ao Pinhal de Leiria no último domingo.


O incêndio que matou o pulmão florestal de Leiria já tinha sido previsto há muito por Gabriel Ramos Roldão, estudioso e investigador da história da Marinha Grande, que acabou de lançar um livro com 748 páginas sobre a história do Pinhal de Leiria. Para ele, por detrás dos motivos que justificam o porquê de este incêndio ter acontecido, "está uma longa história": "O que correu mal? É que o Ministério da Agricultura e Florestas, através do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), descapitalizou o Pinhal. Todos aqueles trabalhos de jardim que fazemos em nossa casa, de limpar a relva, cuidar das plantas, replantar flores, esses trabalhos básicos de renovação, restauro e replantação deixaram de ser feitos. O Pinhal é o mesmo, tem os mesmos hectares, e sabe quantos trabalhadores tem agora? 18. Antes tinha 700".

Gabriel Ramos Roldão fala amargurado ao Observador: a 29 de setembro de 2015 reuniu-se no Choupal, em Coimbra, com o vice-presidente do ICNF e, na companhia de duas testemunhas, entregou-lhe um documento onde listava "os 20 graves problemas do Pinhal de Leiria". "Disse-lhe que o Pinhal de Leiria iria arder mais tarde ou mais cedo e que quando ardesse não sobrava nada", recorda ele. Aos nossos olhos estava o veredito: Gabriel Roldão tinha razão.

"O Ministério da Agricultura e Florestas, através do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), descapitalizou o Pinhal. Esses trabalhos básicos de renovação, restauro e replantação deixaram de ser feitos. O Pinhal é o mesmo, tem os mesmos hectares, e sabe quantos trabalhadores tem agora? 18. Antes tinha 700."
Gabriel Roldão
Duas horas antes de falar com o Observador, Gabriel Roldão foi ao Pinhal. "Dei duas voltas ao pinhal. As bordas exteriores, que têm as árvores que compõem as zonas de proteção eólica, não arderam. As zonas próximas à ribanceira também não e os parques de merendas já estão tão pisados pelas pessoas que o fogo já não pega. O resto é uma paisagem de cadáveres, morreu tudo. E isso é inaceitável, principalmente quando o primeiro-ministro diz uma bacorada daquelas, que não tem varinhas mágicas", condena o especialista ao Observador. Para ele, não é à ministra da Administração Interna que se deve apontar o dedo, mas sim ao ministro de Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, a quem Gabriel Roldão chama "senhor D. Dinis II".


Pinhal de Leiria lucra 4 milhões de euros. Só 6% fica lá

Por detrás do incêndio que matou o Pinhal de Leiria, Gabriel Roldão encontra culpa "na política economicista que tudo o que faz desde há 12 anos é retirar a receita possível da madeira e da lenha e transformá-la no próprio orçamento do ICNF". A Mata Nacional, que é a única rentável do país, está a meio gás e "não está a ser explorada na sua plenitude": "Todas as receitas do Pinhal baixaram imenso, porque se deixou de vender madeira, que é usada para a construção civil e de móveis, e se começou a vender lenha, que é uma coisa diferente", explica o investigador. Agora, em vez de alimentar a indústria dos móveis e da construção civil, os pinheiros bravos da Mata são usados para fazer lenhosa, que é tratada em Pombal e depois exportada para os países do norte da Europa, onde é usada nos aquecimentos centrais. Este processo garante uma receita de entre três e quatro milhões de euros, que é pouco para o potencial do Pinhal. E mesmo assim, conta Gabriel Roldão, apenas 6% é usado na própria Mata e somente para "pagar a uns quantos engenheiros e mangas de alpaca". Os outros 3,76 milhões de euros lucrados com o Pinhal serão "usados pelo ICNF para sustentação de outras florestas".

Este processo garante uma receita de entre três e quatro milhões de euros, que é pouco para o potencial do Pinhal. E mesmo assim, conta Gabriel Roldão, apenas 6% é usado na própria Mata e somente para "pagar a uns quantos engenheiros e mangas de alpacas". Os outros 3,76 milhões de euros lucrados com o Pinhal serão "usados pelo ICNF para sustentação de outras florestas".
"Cheguei à conclusão de que o Pinhal de Leiria já está morto há 12 anos. A gestão foi abandonada", afirma Gabriel Roldão. Não se investe na limpeza e ordenamento de território e não se protege o pulmão do país. "Chega-se até ao ridículo de dizer às pessoas que não se limpam as matas porque elas até fazem bem à saúde dos pinheiros. Quem o diz são as autoridades e as pessoas aceitam o que lhes dizem", denuncia o especialista no espaço florestal leiriense. É assim há muito tempo, mas especialmente desde 2003. A 2 de agosto desse ano um grande incêndio consumiu 2.560 hectares de Pinhal por causa de um fogo posto por jovens que incendiaram pinhas e as atiraram para as árvores. "O fogo foi para norte e para sul e queimou uma zona grande junto ao mar a sul da Praia Vieira até por baixo do Ponto Novo", explica Gabriel Roldão. Parte da área de proteção do Pinhal ficou reduzida a cinzas e deixada ao abandono: a vegetação desapareceu. Hoje, a areia que D. Afonso III queria travar nas dunas já cobre todo o solo numa extensão de mais de 500 metros. No resto, só há mato. Gabriel Roldão diz que esta vegetação é mais alta que os pinheiros que havia antes do incêndio de 2003.


Imagem da área que foi queimada no incêndio de 2003 em Leiria

Depois daquele fogo, pouco terá sido feito para cuidar do Pinhal de Leiria. Num documento preparado por um grupo de 23 pessoas entendidas em áreas florestais, em reuniões feitas na Fundação Caixa Agrícola em Leiria — do qual fazia parte Gabriel Roldão, Octávio Ferreira (responsável por planos de gestão florestal no litoral oeste) e outras personalidades da Marinha Grande –, é referido que 80% da zona de mata ardida há 14 anos está ao abandono, à mercê de um novo incêndio. "Isso constitui um desastre económico e ambiental. Não só há perigo de haver aqui um novo incêndio, como todos os anos se perdem milhares de euros deixando tantos hectares parados", conta Gabriel Roldão ao Observador. E esse não era — nem é — o único problema da Mata Nacional: por cá, "ninguém limpa as matas, ninguém quer saber do património que está deixado ao abandono e em ruínas e ninguém liga às estradas esburacadas, tapadas ou intransitáveis" que serpenteiam o Pinhal. Na lista de problemas formulada pelos especialistas e entregue ao ICNF constam também a falta de trabalho de cultura no pinhal mais jovem, a destruição das dunas causada pelas motas, o facto de as árvores mais novas estarem a ser cortadas para alimentar a indústria, e a falta de conhecimento sobre o ordenamento do território.

80% da zona de mata ardida há 14 anos está ao abandono, à mercê de um novo incêndio. "Isso constitui um desastre económico e ambiental. Não só há perigo de haver aqui um novo incêndio, como todos os anos se perdem milhares de euros deixando tantos hectares parados", conta Gabriel Roldão ao Observador. 
Em declarações ao Região de Leiria, o ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural afirmou ter indicação de que a gestão do Pinhal de Leiria era a adequada e admite estar "aberto a encontrar novas formas de gestão que sejam mais eficazes, mais próximas e que permitam uma gestão mais profissional". Capoulas Santos disse haver "restrições financeiras, de equipamentos e pessoais" e uma "enorme redução de meios" na Administração Pública. Mas não admite entregar o Pinhal aos cuidados da Câmara da Marinha Grande porque "o Estado já demonstrou que, sempre que assumiu funções de empresário, normalmente não foi muito bem sucedido".

Guardas florestais no verão recebem um dia de formação

Gabriel Roldão fala de outro marco no "abandono" do Pinhal, quando em 2008 o governo de José Sócrates passou para a Guarda Nacional Republicana a gestão dos guardas florestais. Nesse ano, recorda Gabriel, a lei determinou que esses técnicos fossem retirados das casas de guarda. As suas funções, dizia o Governo de José Sócrates, seriam entregues a uma polícia florestal reforçada e melhorada.

O Observador conversou com uma das pessoas responsável pela vigilância da Mata Nacional. Bruno Santos tem 21 anos, estuda Programação de Sistemas de Informação no Instituto Politécnico de Leiria e desde o ano passado que é um dos civis que faz da vigilância da floresta um emprego de verão. Em 2016, a secção de Proteção Ambiental da GNR precisava de pessoas que vigiassem o Pinhal e Bruno "entrou à pressa". Foi colocado na Ponta da Crastinha, um dos pontos de vigilância do pinhal, com mais três pessoas: um rapaz de 26 anos e mais dois "senhores mais velhos, que são mais experientes porque já fazem vigilância há alguns anos". Antes de começar passou um dia na Batalha a receber formação: "Ensinaram-me a estudar o vento durante os incêndios, a ver as características do fogo e como é que ele se alastra nos vales", conta Bruno.

Prestes a entrar em aulas, Bruno explicou ao Observador que que a torre de vigia está operacional durante três meses: julho, agosto e setembro. Trabalha-se oito horas e descansa-se 24, mas apenas até meados de setembro: "A partir daí nós temos férias para gozar e os turnos diminuem. Fica-se nas torres entre as oito da manhã e as oito da noite e não fica lá ninguém durante a noite, porque é menos provável haver incêndios". Sempre que há fogo ou alguma atividade suspeita, Bruno tem de localizar a coluna de fumo e comunicar o que está a ver para a central através de um intercomunicador: "Há um monóculo que gira 360º no centro da torre. Eu vejo os graus a que a coluna de fumo ou essa atividade suspeita se encontra e informo da localização, da cor do fumo e de como as coisas vão evoluindo. Fico em constante comunicação com a GNR". Todos os telefonemas são gravados. Mas não são os vigilantes que avisam os bombeiros e a polícia: é a GNR, depois de trabalhadores como Bruno a avisarem do que se passa. Todos os dias vê pelo menos dois incêndios a começarem. Mas nunca viu atividade suspeita.

Como era a "jóia cultural" da Marinha Grande

O Pinhal de Leiria era organizado num sistema de rotatividade. Os 300 talhões eram plantados à vez: "Uns quantos recebiam as sementes num ano, depois no ano seguinte eram outros e assim sucessivamente", explica Gabriel Roldão, que conhece a história da Mata, com mais de 700 anos, como a palma da sua mão. Quando as árvores atingissem os 70 anos eram cortadas para a sua mandeira ser vendida e os talhões eram de novo replantados. Este sistema, criado pelo engenheiro, geógrafo e botânico Bernardino Gomes Barros no século XIX, era moroso mas dava frutos. A árvore era completamente arrancada e as raízes eram vendidas às fábricas de vidro, que as usavam como combustível. Depois "plantava-se à corda": com uma corda esticada, com um homem de cada lado, um rancho de dez a doze mulheres deitava novas sementes ao chão e andavam sempre a direito para plantar novos pinheiros.

Isso era muito caro e trabalhoso, conta Gabriel Roldão no livro que acaba de lançar, por isso mudou-se de estratégia: "Cada vez que se abatia uma área de pinhal era proibido apanhar as pinhas que não estivessem abertas para que as sementes ficassem na terra. Elas ficavam lá durante uns meses e, mais tarde, um trator com uma gadanha circular com correntes agarrava-as e moía-as, soltando as sementes". Por cada hectare, nasciam 250 mil árvores, que depois eram arrancadas até só sobrarem 400 ou 500.

Agora o processo voltou a mudar. De acordo com documentos públicos do ICNF, em vez de se replantar as árvores, faz-se a regeneração: o tronco não é completamente arrancado, as raízes são deixadas no chão, mas a árvore volta a crescer. De acordo com Gabriel Roldão, isso passou a acontecer porque as fábricas deixaram de precisar das raízes para criar energia: passaram a usar gás. Se fossem arrancadas, seriam mero desperdício e o processo tornar-se-ia ainda mais oneroso. No entanto isso levanta outro problema: a vegetação rasteira, mais inflamável do que os pinheiros em si, não é expulsa pelas raízes que se esticam enquanto crescem em busca de mais espaço. Como também não é eliminada, essa vegetação torna todo o espaço florestal mais vulnerável a incêndios.


Em Valado dos Frades, na década de 30, as mulheres com os cestos trabalham na exploração da Mata Nacional. Dois guardas florestais acompanhavam-nas para garantir a segurança do processo

Gabriel Roldão continua muito pessimista quanto ao futuro do Pinhal. "Era algo por que as pessoas tinham um respeito muito grande, mesmo sem lucrar com ele. Era uma jóia cultural, uma coisa que nunca mais vai ser recuperada", afirma Gabriel Roldão. Teme que o Pinhal, o mesmo que forneceu madeira para a construção dos barcos para os Descobrimentos Portugueses, possa voltar a crescer, mas sem ordenamento: vai esquecer-se o sistema de rotatividade que o sustentava, vai crescer tudo de uma vez e vai ser cortado todo de uma vez também, crê.

O Observador tentou obter respostas por parte do ICNF mas até ao momento elas não chegaram.

O Pinhal de Leiria era organizado num sistema de rotatividade. Os 300 talhões eram plantados à vez: "Uns quantos recebiam as sementes num ano, depois no ano seguinte eram outros e assim sucessivamente", explica Gabriel Roldão, que conhece a história da Mata, com mais de 700 anos, como a palma da sua mão. Quando as árvores atingissem os 70 anos eram cortadas para serem exploradas e mais tarde eram replantadas.
As primeiras horas do desastre. Afinal, onde foi que tudo começou?

O cheiro adocicado da resina a ferver ainda invade o ar na Burinhosa, uma aldeia da freguesia de Pataias e concelho de Alcobaça que parece transformado num terreno lunar com troncos ainda fumegantes. No meio das cinzas, transformadas em lama pela chuva que caiu em Alcobaça na segunda-feira à noite, Eulália pega com as mãos sujas da terra numa mangueira amarela deixada pela Proteção Civil no Beco das Longras. Foi aqui, a 50 metros das traseiras de uma fábrica de reciclagem e valorização de resíduos, a "Félix Filipe & Filhos", que começou um dos incêndios que chegou à Vieira de Leiria. A Proteção Civil diz que as chamas começaram às 14h33 de domingo, mas Eulália nega: eram sete e meia da manhã quando foi acordada pelos vizinhos porque tinha o fogo a galgar-lhe o muro. E as chamas já lavravam desde as seis da manhã.


A cobra que o marido de Eulália encontrou morta num dos terrenos queimados na Burinhosa, Pataias, Alcobaça.
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Segundo Nélio Gomes, comandante dos Bombeiros Voluntários de Pataias, responsável pelo gabinete municipal de Alcobaça da Proteção Civil e comandante do centro de operações que atacou o incêndio da Praia da Légua, foi o incêndio da Burinhosa que deu origem à maior parte dos outros focos de incêndio na Mata Nacional: o da Praia da Légua avançou até se ter unido à frente da Burinhosa, deixando um manto de cinzas entre os dois sítios.

Da Burinhosa o incêndio alastrou para norte, atingindo depois a Marinha Grande e correndo daí para a Praia de Paredes de Vitória, a Praia de São Pedro de Moel, a Praia da Vieira, a Vieira de Leiria e a Praia do Pedrógão, exatamente por esta ordem, diz-nos o bombeiro. De acordo com as declarações de Joaquim Vidal, presidente da Junta de Freguesia da Vieira de Leiria, ao Observador, o vento estava forte mas empurrou o incêndio "com lentidão" até São Pedro de Moel. A partir daí "ganhou uma velocidade extraordinária": julga-se que as fagulhas dos incêndios de Alcobaça tenham caído nas zonas de mato ou de pinheiros bravos de proteção — os que estão mais próximos à praia e mais sujeitos ao efeito da brisa marítima e da areia — iniciando um novo incêndio imediatamente atrás das dunas. O resultado está à vista: 80% da Mata Nacional ficou completamente destruída depois dos incêndios de domingo e de segunda-feira. São 8.800 hectares de área ardida.

Aqui em baixo pode ver o cenário de destruição deixado pelo fogo no percurso entre a Burinhosa e a Praia da Légua.

"Ou há muitos malucos ou há muitos bêbedos neste Portugal fora. Ou então há é muitos interesses"

Sobre a origem do incêndio ainda só há desconfianças. Sabe-se que o clima não ajudava: o índice meteorológico de seca PDSI, usado pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), indica que 81% do país está em seca severa e que mais de 7% está em seca extrema. No fim de semana em que deflagraram os incêndios esperavam-se temperaturas acima dos 30ºC em quase todo o território nacional. E havia um risco máximo de incêndio em mais de 70 concelhos de 13 distritos portugueses: estava demasiado calor, a humidade relativa era muito baixa e o vento soprava com vigor. Mas o clima não justifica tudo, na crença do Governo. Jorge Gomes, secretário de Estado da Administração Interna, disse que os incêndios que assolaram o país nos últimos dois dias tinham origem criminosa e que "as áreas onde há pastorícia estão todas a arder, isto não é por acaso". Constança Urbano de Sousa, agora ex-ministra da Administração Interna, disse que os incêndios podem não ter tido causas naturais, mas que não são "necessariamente de mão criminosa, mas de mão negligente, de pessoas que fazem queimadas quando é absolutamente proibido fazer e que fogem do controlo".

As teorias já correm nos cafés da região e nas redes sociais. Há relatos de pessoas que dizem ter visto motas e carros sem matrícula a entrar pelo Pinhal dentro e a atear fogos de manhã muito cedo ou durante a noite, mas a polícia não tem conhecimento destas situações. Ao Observador, a Guarda Nacional Republicana (GNR) diz que "as autoridades não têm qualquer informação que coincida com esses relatos, não tem sequer qualquer informação sobre o que está na origem destes fogos". O agente com quem conversámos, e que pertence à GNR da Marinha Grande, diz que "pode haver algum fundo de verdade nesses relatos" mas que as autoridades não têm "qualquer pista" sobre o que se passou no Pinhal de Leiria.

Veja aqui em baixo as imagens da destruição deixada pelo incêndio da Praia da Légua, a primeira região do Pinhal a ser fustigada pelo fogo


Uma das árvores queimadas pelos incêndios.
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A GNR sublinhou ainda que "sempre que um cidadão presenciar situações estranhas deve alertar a polícia". Foi o que Pedro e Cristina Colaço fizeram quando entraram no IC8. Os dois tinham ido passar o fim de semana a Pedrógão Pequeno, concelho da Sertã e distrito de Castelo Branco, mas quando regressavam a casa viram "ao lado esquerdo, atrás do cemitério, engenhos incendiários nas árvores à borda da estrada". Ao Observador, Pedro descreve-os como sendo "compridos, com um palmo de comprimento e com algo incandescente e metálico no centro, parecido com uma mola". Estavam presos aos troncos, provavelmente atirados a partir da estrada porque "estavam demasiado altos para um humano conseguir pendurá-los e duvido que um incendiário ande de escadotes às costas". Pedro e a mulher ligaram para o número de emergência: "Não nos aproximámos do sítio porque isto está a ganhar uma dimensão tão grande que qualquer dia levamos um tiro. Mas aquilo tinha um combustível qualquer que ardia e depois pingava, já em fogo, para o solo", explica ele. Diz não ter dúvidas de que aquele era um engenho atirado para as árvores: "Eu sou bombeiro, sei do que falo. Não tenho dúvida nenhuma de que aqueles objetos foram postos para atear fogos. Não eram fagulhas de outros incêndios porque os fogos estavam longe e o vento não era forte o suficiente para os levar para ali. E estendiam-se ao longo de um quilómetro, mais ou menos", recorda ele ao Observador.

"Eu sou bombeiro, sei do que falo. Não tenho dúvida nenhuma de que aqueles objetos foram postos para atear fogos. Não eram fagulhas de outros incêndios porque os fogos estavam longe e o vento não era forte o suficiente para os levar para ali. E estendiam-se ao longo de um quilómetro, mais ou menos", recorda ele ao Observador.
Do outro lado do telefone, o técnico do 112 que atendeu a chamada disse a Pedro Colaço que ia "enviar alguém para o local". Ele e a mulher decidiram então voltar para Pedrógão Pequeno, terra de Cristina, com receio que o fogo se propagasse depressa ao longo da estrada. Meia hora depois soube que a situação estava calma e recomeçou a viagem: "Passei no mesmo sítio trinta minutos depois e não estava lá ninguém. Contactados pelo Observador, nem a GNR nem nenhuma das corporações de bombeiros da região disseram saber de relatos desta natureza. Mas Pedro Colaço e a mulher gravaram o que viram. O vídeo, embora de fraca qualidade, elucida sobre o que o casal encontrou na estrada.


Eulália também não acredita que os incêndios deste fim de semana tenham tido origem em causas naturais ou sequer em mão negligente: "Nenhum incêndio de origem natural pegaria aqui às seis da manhã, quando está mais frio e humidade. E nesse dia até havia algum orvalho na plantação. É estranho, no mínimo estranho". E, crendo na teoria da mão criminosa, também não aceita que o autor do desastre do Pinhal de Leiria tenha o mesmo fim que "os outros todos": "Os incendiários não podem ser todos malucos ou todos bêbedos. Ou há muitos malucos ou há muitos bêbedos neste Portugal fora. Ou então há é muitos interesses".

Nélio Gomes, comandante dos Bombeiros Voluntários de Pataias, também torce o nariz aos argumentos que colocam os incêndios no Pinhal de Leiria na mão da natureza ou da negligência: "É muito difícil saber qual é a origem de fenómenos como este", conta, enquanto as máquinas de arrasto e alguns bombeiros vão limpando a região varrida pelo fogo. "Mas se eu lhe disser que só na última semana e meia tivemos quatro ou cinco alertas no mesmo local onde começou o incêndio da Praia da Légua [o primeiro a deflagrar na Mata Nacional], as pessoas que tirem as suas próprias conclusões. Realmente, esses alertas poderão indicar alguma tentativa de fogo posto. Mas é tudo o que posso dizer".

Cadastro florestal começa dia 1 de novembro


20/10/2017, 8:39135

O cadastro simplificado da floresta, um projeto-piloto que será aplicado a 10 municípios, começa já no próximo mês. Sábado será regulamentado o pacote legislativo de reforma da floresta.

O projeto que fará o cadastro simplificado da floresta arranca já no próximo dia 1 de novembro.

A notícia é avançada pelo Diário de Notícias, que cita o gabinete do Ministério da Justiça. Trata-se de um projeto-piloto "de um ano" e que será aplicado em dez municípios: Pedrógão Grande, Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos, Góis, Pampilhosa da Serra, Penela, Sertã, Caminha, Alfandega da Fé e Proença-a-Nova.

Este sábado, durante o Conselho de Ministros, será feita a regulamentação do pacote legislativo de reforma da floresta, aprovada a 19 de julho deste ano.



Já depois desta aprovação, António Costa referiu que o Governo iria "mesmo avançar" com o cadastro florestal, algo que "há décadas" os executivos têm tido "medo" de fazer.



Em agosto, o pacote legislativo da reforma da floresta foi aprovado pelo Presidente da República, ressalvando contudo que os diplomas não eram suficientes e que estavam "longe de esgotar todas as atuações dos poderes públicos". Dos vários diplomas aprovados, Marcelo Rebelo de Sousa só não fez "reparos" no cadastro florestal.

terça-feira, 24 de outubro de 2017

As 11 medidas do governo

A reforma da Proteção Civil, que pretende aproximar a prevenção do combate aos incêndios e reforçar o profissionalismo, deverá passar pela entrada do Estado na rede SIRESP e por vários apoios dirigidos às populações e às zonas mais afetadas.

Medidas anunciadas este sábado pelo Governo, que se sentou à mesa para discutir, durante 11 horas, a reforma nos sistemas de prevenção e combate aos incêndios e adotar medidas de emergência de apoio às vítimas, depois dos incêndios de Pedrógão Grande (junho) e da zona Centro (15 e 16 de outubro), que provocaram a morte a mais de 100 pessoas e deixaram um rasto de destruição de casas, empresas e património florestal.

Eis as principais medidas anunciadas este sábado:

Papel reforçado das Forças Armadas

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As Forças Armadas vão passar a ter um papel reforçado no apoio de emergência, ao nível do patrulhamento, tanto na prevenção como no combate aos incêndios, ficando a gestão e a operação dos meios sob alçada da Força Aérea.

O primeiro-ministro disse que "um papel alargado" das Forças Armadas relativamente "ao apoio militar de emergência ao nível do patrulhamento, nas ações de rescaldo, na parte logística, no auxílio junto das populações e, ainda, no que respeita às capacidades no apoio ao processo de decisão".

António Costa frisou depois que a Força Aérea "ficará com a gestão e operação dos meios aéreos de combate aos incêndios florestais", sendo que esta gestão e operação, por parte da Força Aérea, abrangerão os meios próprios que este ramo das Forças Armadas venha a dispor, mas, igualmente, "a gestão dos meios próprios do Estado e a gestão dos contratos de meios aéreos de combate aos incêndios".

Profissionalização do modelo de combate aos fogos

O Governo pretende retomar a expansão das companhias dos GIPS (Grupo de Intervenção Proteção e Socorro) da GNR, segundo o primeiro-ministro, que considerou que, "ao longo de dez anos", estas companhias GIPS "demonstraram ser uma unidade altamente profissionalizada e capacitada, cujo desenvolvimento contribuirá certamente para o reforço da segurança coletiva".

Além disso, foi também decidido que a Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) vai ser "definitivamente institucionalizada, com um quadro de profissionais próprios, com carreira própria, com dirigentes designados por concurso".

A ANPC, tutelada pelo Ministério da Administração Interna, e o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), estrutura do Ministério da Agricultura, vão ter um reforço de meios: foi aprovada a criação de uma linha de apoio à investigação na Faculdade de Ciências e Tecnologia; o reforço da componente da formação nos Institutos Politécnicos e a incorporação, em toda a cadeia de decisão, de novos saberes em matérias de gestão de fogos, previsão meteorológica e conhecimento científico aplicado.

Em relação aos bombeiros voluntários, o Governo quer criar em cada associação humanitária de bombeiros voluntários das zonas de maior risco de incêndio, equipas profissionais que sejam com bombeiros formados na escola de bombeiros, que será integrada no sistema formal de ensino, enquanto escola profissional".

Criação de unidade de missão

O Governo pretende criar uma unidade de missão, que ficará sob dependência do primeiro-ministro, para concretizar a reforma dos sistemas de prevenção e combate a incêndios, designadamente reforçando a capacidade da ANPC.

O objetivo desta unidade é "conduzir o processo de transformação do atual modelo de prevenção e combate, após os incêndios deste verão, para o modelo futuro" e o seu mandato inicia-se já na segunda-feira e termina em dezembro do próximo ano.

"Ao longo deste ano serão feitos os trabalhos que irão permitir criar condições para que a ANPC tenha a capacidade suficiente, mas também começar com o programa de reforço do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF)", acrescentou António Costa.

Indemnizações a familiares das vítimas

A comissão para pagamento de indemnizações aos familiares das vítimas dos incêndios terá 30 dias para fixar os critérios, cabendo depois à Provedoria de Justiça estabelecer o valor das compensações.

Esta resolução foi anunciada pela ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, que acrescentou que o mecanismo extrajudicial de compensação relativo às vítimas dos incêndios de Pedrógão Grande (junho) e do passado domingo e segunda-feira terá uma adesão voluntária por parte dos familiares e herdeiros das vítimas.

Reconstrução de casas e empresas

O Governo vai, em parceira com as autarquias atingidas pelos incêndios, disponibilizar 30 milhões de euros para a reconstrução de primeiras habitações destruídas e mais 100 milhões de euros para a reparação de empresas.

O anúncio coube também ao ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques, salvaguardando, no entanto, que em ambos os casos, em primeira instância serão acionados os seguros, entrando o Estado sempre que este mecanismo não seja possível.

O governante avançou uma estimativa provisória, calculando que possam estar em causa 500 casas de primeira habitação destruídas total ou parcialmente e cerca de 300 empresas.

Pagamento de salários e apoio ao emprego

O Governo pretende apoiar temporariamente, num mínimo de três meses, o pagamento de salários de trabalhadores com emprego em risco em consequência dos incêndios de junho em Pedrógão Grande e de meados de outubro em vários pontos do país, uma medida que o ministro do Trabalho e da Segurança Social disse que poderá custar 13 milhões de euros.

Além disso, ficou prometido que serão reforçados os apoios sociais às pessoas e às instituições das áreas atingidas pelos incêndios.

Sublinhando que podem estar em risco cinco mil postos de trabalho devido à destruição provocada pelos incêndios, Vieira da Silva disse que serão tomadas "medidas para a redução ou até mesmo para isenção das contribuições à Segurança Social e para abrir a possibilidade de as empresas poderem diferir o pagamento das suas contribuições à Segurança Social".

Apoios ao setor agrícola e florestal

O setor agrícola e florestal contará com uma verba de até 35 milhões de euros para apoiar a alimentação dos animais e o depósito e a comercialização da madeira ardida.

De acordo com o ministro da Agricultura, Capoulas Santos, vão ser alocados 15 milhões de euros para "acudir aos problemas mais graves" de erosão dos solos e contaminação das águas.

Na área florestal vão ser criadas duas linhas de crédito, uma de cinco milhões de euros para a instalação de parques para depósito da madeira ardida, e outra de três milhões de euros para a comercialização da madeira ardida a preços considerados razoáveis.

Posição acionista do Estado no SIRESP

O Governo quer que o Estado tome uma posição acionista no SIRESP (Rede de Emergência e Segurança), podendo chegar ao seu controlo, e pretende acionar programas para enterramento de cabos aéreos e limpeza de vias.

O ministro do Planeamento e das Infraestruturas afirmou que para já, o Estado converterá em ações créditos da Datacomp e da Galilei, e admitiu que a prazo o Estado poderá ter mesmo uma posição de controlo acionista do SIRESP.

Novos investimentos no SIRESP

O Governo anunciou que, com o papel acrescido ao nível da gestão desta rede de comunicações de emergência SIRESP, promoverá um conjunto de novos investimentos na ordem dos oito milhões de euros.

O anúncio coube a Pedro Marques, que disse que o executivo pretende "adquirir mais quatro estações móveis com ligação satélite para reforçar as comunicações de emergência quando há incêndios, ou quando se verificam interrupções de rede", bem como contratar "um sistema adicional de redundância com ligação à rede de satélite".

Outra medida ao nível das comunicações passará por favorecer o enterramento dos cabos aéreos, de telecomunicações e energia, que ardem facilmente nos incêndios.

Em causa está a isenção, por três anos, do pagamento da taxa de utilização de condutas para as empresas que procederam ao enterramento dos cabos, e nos cinco anos seguintes, uma redução de 30% no valor que pagam para a manutenção das condutas de cabos por fibra ótica.

As empresas que ainda não tenham rede em territórios do interior e que reforcem as ligações por cabo de fibra ótica, "poderão beneficiar ao longo de oito anos de uma redução de 30% no custo em relação à oferta de referência" praticada pelas Infraestruturas de Portugal.

Pedro Marques disse também que a Infraestruturas de Portugal já chegou a acordo com a Altice para o enterramento em 2018 e 2019 dos primeiros 1000 quilómetros em condutas da rede rodoviária.

Relativamente ao programa de limpeza de áreas nas faixas das rodovias (cerca de 16 mil quilómetros) e das ferrovias, será feita "uma limpeza integral até aos dez metros, reforçando-se assim a segurança no contexto dos territórios com maior risco de incêndio".

O governante estimou que este programa de limpeza terá no orçamento das Infraestruturas de Portugal uma estimativa de 28 milhões de euros no próximo ano.

Reforço da resiliência do território

O ministro do Ambiente anunciou um investimento de cerca de 20 milhões de euros no domínio da resiliência do território, nomeadamente a contratação de 100 equipas de sapadores, 50 vigilantes da natureza e um projeto de voluntariado jovem.

João Matos Fernandes disse o executivo vai replicar o projeto-piloto da Peneda-Gerês (cuja área ardida foi 60% inferior ao ano passado) a outros parques florestais nacionais, comprar de equipamentos e contratar 100 equipas de sapadores nos próximos dois anos, o que corresponde a 500 pessoas (atualmente existem 292 equipas de sapadores).

Também a prevenção e o combate aos incêndios florestais vão ser reforçados com mais 50 vigilantes da natureza, dos quais 20 entram já ao trabalho no próximo dia 04 de novembro.

No âmbito da prevenção estrutural das matas nacionais, o Governo vai alocar três milhões de euros para a rede primária de defesa contra incêndios, investimento que poderá ser "multiplicado" através de uma candidatura ao Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos (POSEUR).

O reforço da resiliência do território nacional passará também pela implementação de "um projeto de voluntariado jovem para natureza e para as florestas", que no próximo ano deverá envolver 10 mil jovens, entre os 18 e os 30 anos, na sensibilização da comunidade para as questões da proteção da natureza.

Aposta nas biorrefinarias e centrais de biomassa

A implementação de biorrefinarias e a continuação do desenvolvimento de centrais de biomassa por todo o país estão entre as medidas apresentadas hoje para valorizar a recolha de resíduos florestais.

O ministro da Economia, Caldeira Cabral, afirmou que o plano nacional para a implementação de biorrefinarias vai depender "essencialmente de fundos estruturais", considerando que ainda não é possível prever qual a verba necessária, e que o seu desenvolvimento será sujeito a concurso.

Também se prevê a manutenção da aposta no desenvolvimento das centrais de biomassa, que "poderão ter um investimento de cerca de 35 milhões de euros anuais, ao longo de vários anos".

Incêndios: Especialista diz que mais importante do que as medidas é a sua concretização


23 out 2017 19:02

Estado português revela "tremenda incompetência" em fogos florestais
A presidente eleita da Sociedade Portuguesa de Ciências Florestais, Emília Calvão Silva, disse à Lusa que as medidas anunciadas pelo Governo na área florestal são "positivas", mas "mais importante" agora é saber como vão ser implementadas e regulamentadas.
 
"Mais importante do que o primeiro-ministro anunciou é, agora, a concretização dessas medidas, nós não sabemos como é que vai ser a implementação e a regulamentação das medidas e, isso, é que importante", afirmou a professora e investigadora da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), em Vila Real.

Para a especialista, o "grande" reforço da investigação sobre incêndios florestais e sobre floresta, assim como a "grande" verba alocada a remediar os danos causados pelos incêndios são "ótimas e perfeitamente aceitáveis".

Estas medidas devem servir para mudar "efetivamente" a floresta portuguesa porque se é para "fazer mais do mesmo" não valem de nada, reforçou.

Também "muito importante" é a criação de um laboratório colaborativo ligado às questões da floresta porque vai permitir que a floresta seja olhada como um todo e não só pela questão dos fogos e do associativismo, entendeu.

"Vai haver um olhar para a floresta multidisciplinar e, de facto, é dessa forma que vejo a floresta e que acho que a floresta tem de começar a ser olhada", ressalvou.

E acrescentou: "não podemos dizer que queremos levar pessoas para a floresta se a floresta não se tornar rentável, temos de trazer economia para a floresta".

Apesar de ainda não saber como vai ser esse laboratório, Emília Calvão Silva considerou que deverá tocar várias vertentes, desde o fogo, planeamento, ordenamento à sociologia e antropologia.

A reforma da Proteção Civil, que pretende aproximar a prevenção do combate aos incêndios e reforçar o profissionalismo, deverá passar pela entrada do Estado na rede SIRESP e por vários apoios dirigidos às populações e às zonas mais afetadas.

Estas medidas foram anunciadas no sábado pelo Governo, que se sentou à mesa para discutir, durante 11 horas, a reforma nos sistemas de prevenção e combate aos incêndios e adotar medidas de emergência de apoio às vítimas, depois dos incêndios de Pedrógão Grande (junho) e de várias zonas das regiões Centro e Norte (15 e 16 de outubro).

Os fogos provocaram a morte a mais de 100 pessoas e deixaram um rasto de destruição de casas, empresas e património florestal.

A reunião extraordinária do Conselho de Ministros realizou-se no sábado na residência oficial do primeiro-ministro, em São Bento, mas tinha sido anunciada por António Costa a 12 de outubro, depois de a comissão técnica independente nomeada pela Assembleia da República ter concluído o seu relatório sobre os incêndios de Pedrógão Grande (distrito de Leiria) e Góis (distrito de Coimbra) em junho passado, que deixou 64 mortos.

Além deste balanço oficial, foi registada a morte de uma mulher que foi atropelada ao fugir das chamas.